O reconhecimento de direitos da Natureza no Brasil tem ocorrido sobretudo a partir de um protagonismo de alguns municípios ao reformarem suas leis orgânicas. Neste ano de 2023, o quinto município brasileiro registrou movimento nesse sentido [atualização*].
Os direitos da Natureza [1] constituem um paradigma alternativo ao modelo antropocêntrico de tutela ambiental que se desenvolveu desde a segunda metade do século passado em todo o mundo. Trata-se de um novo modelo baseado no reconhecimento de personalidades e valores intrínsecos aos elementos bióticos e abióticos dos ecossistemas. Os direitos da natureza envolvem, portanto, o reconhecimento da "Natureza" como entidade jurídica e a proteção autônoma dos ecossistemas, ou seja, não como consequência de uma violação dos direitos humanos, mas porque possui em si um direito fundamental de existir, evoluir e manter seus ciclos vitais [2].
O Brasil, seguindo movimento iniciado em 2006 nos EUA (pela comunidade de Tamaqua - Pensilvânia) e, posteriormente, notabilizado pela Constituição do Equador de 2008, reconheceu direitos da Natureza expressamente até o momento em cinco municípios localizados nas regiões Sul, Nordeste, Sudeste e Norte do país.
Ainda que a Constituição brasileira (1988) não tenha reconhecido expressamente a natureza como sujeito de direitos, existe jurisprudência do STF, STJ e de alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais adotando uma leitura "antropocêntrica atenuada", "alargada" ou "mitigada" ou ainda "biocêntrica" do art. 225 do texto constitucional brasileiro no sentido de que a CRFB/88 buscou harmonizar e integrar os seres humanos e os ecossistemas.
Como defendi em essa outras ocasiões [3], essas leituras do texto constitucional brasileiro podem permitir uma interpretação favorável à proteção dos direitos da Natureza no Brasil.
Utilizando-se dessa "abertura" proporcionada pelo ordenamento constitucional brasileiro às perspectivas não antropocêntricas e a partir da influência dos movimentos constitucionais caracterizados como "novo constitucionalismo latino-americano", alguns movimentos sociais no Brasil passaram a impulsionar o reconhecimento dos direitos da Natureza em legislações municipais, num modelo muito semelhante ao que vem se reproduzindo nos Estados Unidos da América desde 2006[4].
Nesse sentido, os direitos da Natureza já foram reconhecidos expressamente no Brasil no Município de Bonito (2017) e Paudalho (2018), ambos de Pernambuco; em Florianópolis (2019), Santa Catarina; em Serro (2022), Minas Gerais; e, neste ano de 2023, no Município de Guajará Mirim, em Rondônia. O Município de Guajará Mirim também aprovou legislação reconhecendo o rio Laje como um sujeito de direito. Trata-se da primeira norma nesse sentido no país.
No momento, encontram-se em andamento outros esforços, especialmente impulsionados pela Organização MAPAS (como se aprofundará no estudo do formante cultural), no sentido de reconhecer direitos da Natureza em diversos municípios das cinco regiões brasileiras, dentre eles: Bertioga (SP), Palmas (TO), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Itacaré (BA), Ilhéus (BA), Niterói (RJ), Maricá (RJ), Natal (RN), Ituaçu (GO)[5].
[*] Confira sobre o tema a Nota de Repúdio publicada pelo Ruptura contra os retrocessos ocorridos em Cáceres (Mato Grosso), localidade que teria reconhecido direitos da Natureza logo após Guajará Mirim.
[1] Sobre a "ideia de Natureza" confira nosso post do dia 24/05/23
[2] Os debates sobre os direitos da Natureza tem como marco inicial os trabalhos de Christofer Stone e como primeiro caso judicial a discutir a matéria o caso Sierra Club. Para aprofundamentos sobre esses aspectos sugiro nossa publicação de 17/03/23 "OS DIREITOS DA NATUREZA SEGUNDO C. STONE E O CASO SIERRA CLUB" de minha autoria.
[3] Nesse sentido, confira em nossa biblioteca os textos: DALLA RIVA, L. I diritti della natura in Brasile ed Ecuador: un'analisi comparatistica tra costituzionalismo ambientale e buen vivir. Rivista DPCE online, v. 58, n. SP2, june 2023; e DALLA RIVA, L.; MELO, M. P. Rights of Nature in Brazil: limits and possible interpretations of the 1988 Constitution. Rivista Ordines, v. 1, p. 292-317, 2022;
[4] Sobre esses movimentos sociais, cfr. OLIVEIRA, Vanessa Hasson de. Direitos da Natureza. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.
[5] Ibidem.