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A lógica das “expulsões” de Saskia Sassen e a necessidade de (re)pensar o urbano

 

Aline Michele Pedron Leves[1]

 

No âmbito da economia global contemporânea, a expulsão pode ser considerada um fenômeno central que destaca a forma pela qual o capital financeiro, ao invés de integrar e incluir, expulsa populações de seus contextos urbanos, rurais e produtivos. Em sua obra “Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global” (2016), a socióloga Saskia Sassen explora essa nova dinâmica de expulsões da economia mundial, que traz à tona uma exclusão sistemática e a (re)classificação selvagem entre aqueles que têm e os que não têm à escala global.


Com efeito, a acumulação de riquezas, as políticas neoliberais e as tecnologias avançadas, em conjunto, têm contribuído para o deslocamento de populações mais vulneráveis, reduzindo o acesso à direitos básicos, trabalho e moradia. É em razão disso que a noção de “expulsão” proposta por Sassen difere do conceito mais clássico de “exclusão”, uma vez que as expulsões sugerem o deslocamento ativo e forçado de pessoas e recursos, que ocorrem, muitas vezes, de maneiras brutais e devastadoras. A autora descreve um processo ativo em que territórios urbanos são “limpos” ou “higienizados” para dar lugar a novos usos de solo mais lucrativos, impulsionados por investimentos imobiliários, gentrificação e especulação financeira.

Em outras palavras, pode-se afirmar que a expulsão consiste em um processo dinâmico e impositivo de desapropriação, que atinge principalmente os grupos populacionais mais vulneráveis que vivem em centros urbanos. Isso ocorre, por exemplo, quando moradores são forçados a deixar bairros centrais devido ao expressivo aumento do custo de vida e à crescente especulação imobiliária. Tais processos não apenas enfraquecem a tecitura social urbana, mas também reconfiguram o território para atender às demandas de uma economia financeirizada.


A lógica das expulsões é, de fato, bastante complexa e está enraizada nas estruturas globais de acumulação de riqueza, bem como no poder das corporações financeiras. Sassen aponta que o sistema capitalista e neoliberal contemporâneo cria novas formas de exclusão, nas quais a terra, os recursos naturais e as pessoas são tratados como descartáveis. Esse fenômeno se manifesta em diferentes escalas e contextos: na remoção de habitantes de áreas urbanas centrais para viabilizar empreendimentos de luxo, na desapropriação de terras agrícolas para projetos de mineração e na devastação de ecossistemas em prol de megaempreendimentos etc.


Além disso, as mudanças climáticas e a degradação ambiental também forçam comunidades a se deslocarem, seja pela ocorrência de desastres naturais (como enchentes, deslizamentos de terra, escassez de recursos hídricos conexas às estiagens prolongadas e à consequente improdutividade do solo) ou pela destruição de suas bases de subsistência. Este tipo de expulsão está intimamente vinculada à exploração insustentável dos recursos naturais e à negligência das consequências ambientais. Tais expulsões não são meramente econômicas, mas profundamente estruturais e políticas, expondo uma brutalidade sistêmica que redefine quem tem o direito de ocupar e de pertencer a determinados espaços.


As “expulsões”, de acordo com Sassen, não são eventos meramente isolados, mas fazem parte de uma dinâmica mais ampla e sistemática do capitalismo global, assim como seguem a perspectiva do mercado neoliberal, que implica novos fluxos de acumulação de capital a partir de uma matriz que despoja/expulsa e que privilegia a concentração de riqueza e poder em detrimento de grandes populações e territórios. Essas práticas são tanto o resultado quanto a causa de profundas transformações econômicas e sociais, que criam novos padrões de desigualdade e exclusão. Assim, Saskia Sassen questiona a lógica do crescimento a qualquer custo, observando que ele frequentemente leva a uma destruição de comunidades e recursos, agravando as vulnerabilidades e limitando o acesso a direitos humanos e fundamentais.


Sob a ótica da supremacia do mercado neoliberal, os mais variados contornos das vulnerabilidades e desigualdades sociais são revelados, visto que esse modelo econômico produz, contínua e reiteradamente, expulsões para territórios periféricos, segregados espacialmente, repletos de riscos e sobrecarregados de demandas emergenciais. À vista disso, é possível questionar a própria definição de “urbano” como um espaço democrático e inclusivo. Portanto, a lógica das expulsões exige uma reflexão crítica acerca do urbano contemporâneo como um espaço moldado por pressões de mercado e de fluxos financeiros globais.


Mas, como (re)pensar o urbano para além do lucro e da especulação, promovendo alternativas que priorizem o direito à cidade e a inclusão social? Isso envolve um comprometimento com o direito à moradia e o fortalecimento de políticas públicas mais inclusivas e que limitem a especulação imobiliária. A necessidade de (re)pensar o urbano implica, também, reconhecer e valorizar a importância dos laços comunitários de resiliência, dos espaços públicos e da diversidade social-cultural-existencial que constituem as cidades. Enfrentar a lógica das expulsões significa, em última análise, defender uma visão de cidade que acolha seus habitantes, que priorize a sustentabilidade e o bem-estar coletivo.

 

REFERÊNCIAS


SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Tradução de Angélica Freitas. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2016.


[1] Doutora, com Pós-Doutorado em Direito PEPEEC PDPG/CAPES, e Mestra pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos – da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Professora efetiva adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA, Campus São Borja/RS. Advogada (OAB/RS nº. 115733) junto ao Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da UNIPAMPA-SB. Coordenadora do Projeto enCINE Direito - UNIPAMPA-SB. Vice-Líder do Observatório de Direitos Fundamentais (CNPq/UNIPAMPA-SB). Pesquisadora Docente do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Governança e Democracia - Mundus (CNPq/UNIJUÍ). Colaboradora da Organização Não-Governamental (ONG) da Sociedade Civil Ruptura (@projetoruptura.org). E-mail: alineleves@unipampa.edu.br.

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