Jackeline Thomaz Giovenardi
As fortes chuvas que atingiram o estado do Rio Grande do Sul nas últimas semanas afetaram mais de 2,5 milhões de pessoas, conforme dados da Fiocruz, trazendo à tona a questão das mudanças climáticas, especialmente no Brasil. Entretanto, em 2023, a Bacia do Rio Amazonas enfrentou uma seca, provocada por chuvas escassas e temperaturas elevadas ao longo de todo o ano na região (WWA, 2024). A crise hídrica no Amazonas atingiu proporções históricas impactando mais de 600 mil habitantes (Nogueira et al, 2022).
Entre 2020 e 2022, aproximadamente 25 milhões de pessoas foram afetadas pela seca e estiagens no Brasil, cerca de seis vezes mais do que por enchentes. Foram registrados 4.195 eventos de seca com danos humanos, cerca de 3,5 vezes a mais do que eventos de enchentes (1.188). Em 2022, mais de 7 milhões de pessoas foram impactadas por secas e estiagens, com 1.212 eventos registrados. Em termos de danos humanos, 2021 foi mais crítico que 2022, com cerca de 700 mil pessoas a mais afetadas por secas e estiagens. No ano de 2022, a maioria dos eventos de seca ocorreram na Região Nordeste (45,1%), seguida pelas regiões Sul (39,0%) e Sudeste (12,1%). Aproximadamente 58% das pessoas afetadas por estiagens e secas em 2022 residiam na Região Nordeste. (ANA, 2023).
Esses eventos são parcialmente atribuídos ao fenômeno climático El Niño, que causa condições de seca no norte e chuvas abundantes no sul do país (Nogueira et al, 2022). Porém a seca foi agravada por práticas históricas de gestão da terra, água e energia, como desmatamento, destruição da vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socio climáticos, e essas práticas reduziram a capacidade da terra de reter água e umidade, piorando assim as condições de seca. (WWA, 2024).
A crise hídrica no país é diretamente atribuída à degradação dos biomas brasileiros, cujas secas e escassez recorrentes desempenham um papel crucial no ciclo hidrológico e na disponibilidade de água (Nogueira et al 2022). Em 2023, o Cerrado superou a Amazônia pela primeira vez, registrando a maior área desmatada entre os biomas, totalizando 1.110.326 hectares. A Amazônia ocupou o segundo lugar, com 24,8% da área desmatada no Brasil (454.271 hectares), seguida pela Caatinga em terceiro lugar, com 11% de área (201.687 hectares). O Pantanal representou 2,7% do desmatamento total do país, somando 49.673 hectares. Quanto à Mata Atlântica, foram desmatados 12.094 hectares, correspondendo a 0,7% da área total desmatada no país. O Pampa responde pela menor área de desmatamento, representando 0,1% do total (MAPBIOMAS, 2024).
Fatores como desmatamento, erosão dos solos, redução das precipitações e aumento da demanda hídrica contribuem para a condição de escassez de água. As crises hídricas afetam, embora com intensidades variadas, todos os usos da água, incluindo aqueles não consuntivos, como navegação, pesca, turismo e lazer (Rodriguez et al, 2022). De acordo com o informe anual “Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil”, o uso consuntivo setorial da água no Brasil é principalmente destinado à irrigação (50,6%), abastecimento humano tanto urbano quanto rural (24%), abastecimento animal (8,1%), indústria (9,4%), mineração e termelétricas (1,6%) (ANA, 2023).
De acordo com o estudo ‘’Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil’’ até 2040, a disponibilidade hídrica pode diminuir mais de 40% nas regiões hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste. Com essa redução, há uma tendência de aumento no número de trechos de rios intermitentes (que secam temporariamente), especialmente na região Nordeste (ANA, 2024). A variação na disponibilidade de água, especialmente durante períodos prolongados de seca, compromete a qualidade e reduz as vazões, levando a uma drástica diminuição no armazenamento de água nos reservatórios e mananciais. Episódios de secas hidrológicas têm o poder de desencadear ou agravar conflitos relacionados ao uso da água, mesmo em regiões que não são naturalmente afetadas por condições de escassez hídrica (Rodriguez et al, 2022).
Embora já existam diversos estudos que evidenciam as questões de escassez hídrica no país é necessário a intensificação de planos de contingência de secas e de gestão da água por Estado, além de investimento em infraestruturas para lidar com secas futuras mais intensas visando o gerenciamento de possíveis conflitos relacionados aos recursos hídricos.
Referências
ALMEIDA, Priscylla; NOGUEIRA, João F. F. Crise hídrica: a resiliência dos biomas brasileiros diante das mudanças climáticas: Para além dos ciclos naturais, como a influência humana agrava o problema da crise hídrica no país. 4. ed. São Paulo: Ciência e cultura, 2023. 02-04 p. v. 75. ISBN 2317-6660.
Conjuntura dos recursos Hídricos no Brasil: Informe anual. Agencia Nacional de Águas e Saneamento Básico -ANA, 2023. Disponível em: https://www.snirh.gov.br/portal/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos/conjunturainforme2023.pdf. Acesso em: 04 jun. 2024.
CLARKE, Ben; BARNES, Clair; RODRIGUES, Regina; ZACHARIAH, Mariam; STEWART, Simphiwe; RAJU, Emmanuel; BAUMGART, Nick; HEINRICH, Dorothy; LIBONATI, Renata; SANTOS, Djacinto; ALBUQUERQUE, Ronaldo; ALVEZ, Lincoln Muniz; OTTO, Frederike E L. Climate change, not El Niño, main driver of exceptional drought in highly vulnerable Amazon River Basin. Imperial College London, 2024. Disponível em: https://spiral.imperial.ac.uk/handle/10044/1/108761. Acesso em: 04 jun. 2024.
Fiocruz divulga nota técnica sobre os impactos imediatos das inundações no RS. FIOCRUZ, 2024. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/05/fiocruz-divulga-nota-tecnica-sobre-os-impactos-imediatos-das-inundacoes-no-rs. Acesso em: 04 jun. 2024.
Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil: Informe anual. Agencia Nacional de Águas e Saneamento Básico -ANA, 2024. Disponível em: https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/api/records/31604c98-5bbe-4dc9-845d-998815607b33/attachments/Mudancas_Climaticas_25012024.pdf. Acesso em: 04 jun. 2024.
RAD – Relatório Anual do Desmatamento no Brasil. MAPBIOMAS, 2023. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2024/05/28/matopiba-passa-a-amazonia-e-assume-a-lideranca-do-desmatamento-no-brasil/. Acesso em: 04 jun. 2024.
PEREIRA, Vânia Rosa; RODRIGUEZ, Daniel Andrés. VULNERABILIDADES DA SEGURANÇA HÍDRICA NO BRASIL FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. 777. ed. São Paulo: Derbyana, 2022. 4-5 p. v. 43. ISBN 10.14295.
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