Jackeline Thomaz Giovenardi
O Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, ocupa cerca de 204 milhões de hectares, equivalente a aproximadamente 24% do território nacional. Grande parte desse bioma está situada no Planalto Central, uma região de altitudes elevadas no centro do país. Sua localização estratégica faz com que o Cerrado seja fundamental para a distribuição dos recursos hídricos (Lima et al., (2007) Silva et al., 2007). De acordo com Souza (2017), oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil estão localizadas no bioma Cerrado.
A expansão do agronegócio no Cerrado foi fundamental para posicionar o Brasil entre os líderes mundiais na produção de commodities agrícolas. Entretanto, essa expansão resultou no desmatamento de cerca de metade do bioma. A transformação das áreas nativas para a agropecuária e agricultura provocou a degradação de formações vegetais, como os campos naturais, além de facilitar a invasão de espécies exóticas, comprometendo o equilíbrio e as funções ecossistêmicas essenciais do bioma (Viana, 2018).
Embora o cerrado seja o berço do agronegócio brasileiro, a região abriga atualmente cerca de 45 mil indígenas. Esses povos estão distribuídos, principalmente, nos estados do Maranhão, Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul, e incluem 26 etnias com diferentes características culturais (Barbosa et al., (2008) Schmitz et al., 2008). No entanto, a maioria das Terras Indígenas (TIs) presentes no bioma ainda não foram regularizadas. Essa situação tem gerado graves conflitos, que representam uma das principais ameaças à sobrevivência de vários grupos indígenas, colocando suas culturas e modos de vida em risco de extinção (ISPN, 2020).
Além dos conflitos fundiários, o crescimento previsto no consumo de energia e na demanda global por produtos agrícolas, aliado à continuidade do atual modelo de expansão e intensificação da agricultura, em um contexto de mudanças na temperatura e precipitação regionais, tende a intensificar a degradação do Cerrado e a perda de biodiversidade. Isso pode comprometer ainda mais o funcionamento ecológico do bioma e agravar os impactos sobre grupos sociais vulneráveis, como povos indígenas e populações tradicionais (Bustamante, 2022).
O Cerrado possui mais de 220 espécies com propriedades medicinais, mais de 416 espécies que podem ser utilizadas na recuperação de solos, e mais de 10 tipos de frutos comestíveis. Esses frutos, além de serem consumidos pela população local, são uma fonte importante de renda, pois são comercializados em centros urbanos, proporcionando sustento para muitas famílias. Além disso, as comunidades locais praticam o extrativismo de forma sustentável, muitas vezes organizadas em cooperativas que fortalecem sua economia e promovem a conservação ambiental (Belonia, 2018).
Atualmente, as principais ameaças à biodiversidade do Cerrado estão relacionadas à expansão da agricultura e pecuária, que frequentemente resulta na conversão de áreas naturais em terras agropecuárias, levando à perda da vegetação nativa. Esse processo de expansão ocorre com o uso intensivo de agrotóxicos, fertilizantes e corretivos, além da irrigação descontrolada, pisoteio excessivo do gado, monocultura e agricultura em larga escala. O manejo inadequado dos fatores de produção, caracterizado pelo uso excessivo de tecnologias químicas e pela mecanização pesada, agrava ainda mais o impacto sobre o ecossistema do Cerrado (Cunha et al., (2008) Lima et al., (2008) Gomes et al., 2008)
A expansão agrícola, associada ao uso intensivo de tecnologias químicas e ao desmatamento, compromete os recursos hídricos e acelera a degradação do bioma. Essa degradação não apenas afeta a biodiversidade e os mananciais de água, mas também impacta diretamente a sobrevivência física e social das populações tradicionais. O Cerrado tem um papel fundamental na vida dessas comunidades, que dependem de seus recursos naturais, como as plantas nativas, para a manutenção de suas práticas culturais e modos de vida. Assim, a destruição do bioma ameaça não apenas o equilíbrio ambiental, mas também a herança cultural dessas populações.
Referências
BUSTAMANTE, Mercedes. O Cerrado e as Mudanças Climáticas. Revista Ciência e Cultura, v. 70, n. 1, 2018. Disponível em: https://revistacienciaecultura.org.br/?p=6905. Acesso em: 22 out. 2024.
BELONIA, Paulo. População do Cerrado: entenda a importância social desse bioma. 2018. Disponível em: https://www.savecerrado.org/populacao-cerrado-importancia-social/. Acesso em: 22 out. 2024.
Barbosa, L. M. (2008). Cerrado: Ecologia e Flora, Vol. 1. Editora EMBRAPA.
CUNHA, Nina Rosa da Silveira; LIMA, João Eustáquio de; GOMES, Marília Fernandes de Maciel; BRAGA, Marcelo José. A Intensidade da Exploração Agropecuária como Indicador da Degradação Ambiental na Região dos Cerrados, Brasil. RER, Piracicaba, SP, v. 46, n. 02, p. 291-323, abr./jun. 2008. Impressa em junho de 2008. Disponível em: <SciELO - Brasil - A intensidade da exploração agropecuária como indicador da degradação ambiental na região dos Cerrados, Brasil A intensidade da exploração agropecuária como indicador da degradação ambiental na região dos Cerrados, Brasil>. Acesso em: 22, out, 2024.
INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA (ISPN). Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado. Brasília: ISPN, 2020. Disponível em: https://www.ispn.org.br/povos-e-comunidades-tradicionais-do-cerrado/. Acesso em: 22 out. 2024.
LIMA, Jorge Enoch Furquim Werneck; SILVA, Euzebio Medrado da. Estimativa da Contribuição Hídrica Superficial do Cerrado para as Grandes Regiões Hidrográficas Brasileiras. l XVII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS- SÃO PAULO- 2007. Disponível em: < ABRHidro - Publicações >. Acesso em: 22, out, 2024.
SOUSA, Fernando José de. Bambuí, Urucuia e Guarani: os grandes aquíferos do Cerrado brasileiro. Água, Vida & Cia – Fernando José de Sousa, 2021. Disponível em: https://ferdinandodesousa.com/2021/02/26/bambui-urucuia-e-guarani-os-grandes-aquiferos-do-cerrado-brasileiro/. Acesso em: 22 out. 2024.
VIANA, Bento. Estratégias Políticas para o Cerrado. Brasília: ISPN, 2018. Disponível em:https://ispn.org.br/site/wp-content/uploads/2018/10/Estrategias-Politicas-para-o-Cerrado_web-1.pdf. Acesso em: 22 out. 2024.
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