Sabrina Lehnen Stoll
O documentário "O Amanhã é Hoje – o drama de brasileiros impactados pelas mudanças climáticas" foi lançado em dezembro de 2018, durante a Conferência do Clima da ONU (COP 24), realizada em Katowice, Polônia. A produção é do Greenpeace Brasil e está disponível gratuitamente no YouTube, permitindo um amplo acesso ao público para conscientização sobre os impactos das mudanças climáticas nas diversas regiões do Brasil.
As mudanças climáticas têm gerado efeitos extremos e recorrentes em diversas regiões do Brasil, expondo vulnerabilidades e exigindo uma reflexão sobre a governança climática. O documentário "O Amanhã é Hoje", lançado pelo Greenpeace Brasil, ilustra, por meio de quatro histórias reais, como as comunidades urbanas, ribeirinhas e indígenas já enfrentam os impactos do aquecimento global. Esse cenário é agravado pela intensificação de eventos como chuvas extremas, secas prolongadas, ressacas e ondas de calor, que afetam diretamente a qualidade de vida e a segurança de populações em áreas de risco (GREENPEACE, 2018).
Um dos relatos mais impactantes ocorre em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, onde chuvas intensas e deslizamentos devastaram a cidade e deixaram um rastro de destruição. Esse evento, típico de regiões serranas, foi acentuado pela falta de infraestrutura adequada e pelo planejamento urbano deficiente, que agrava a vulnerabilidade das encostas e encarece a adaptação aos eventos climáticos extremos. Estudos apontam que áreas montanhosas, como Nova Friburgo, são particularmente suscetíveis a desastres naturais devido à saturação do solo e à crescente intensidade das chuvas, um fenômeno que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) associa diretamente ao aumento das temperaturas globais (IPCC, 2021; INPE, 2024).
Além das chuvas intensas, o documentário também aborda o aumento das ressacas e das ondas de calor em áreas urbanas litorâneas, onde o avanço do mar e o efeito das "ilhas de calor" ameaçam não apenas a infraestrutura, mas também a saúde pública. Esse fenômeno, intensificado pela urbanização sem planejamento e pela baixa arborização, aumenta os riscos de doenças respiratórias e cardiovasculares, afetando desproporcionalmente as populações de baixa renda que têm menos acesso a serviços de saúde e sistemas de refrigeração (OMS, 2022). Esse cenário de vulnerabilidade é um reflexo da desigualdade social no Brasil, que expõe as populações menos favorecidas a condições de vida ainda mais precárias durante eventos extremos.
No Nordeste brasileiro, as comunidades ribeirinhas enfrentam o impacto das secas prolongadas, que afetam a segurança hídrica e a produção agrícola de subsistência, prejudicando a segurança alimentar. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) prevê uma redução de até 40% na precipitação média anual até 2050, o que agravará a escassez de água, colocando em risco as práticas de subsistência e acelerando o êxodo rural (PBMC, 2020). Segundo a FAO (2021), a redução dos recursos hídricos na região nordestina ameaça a sustentabilidade da agricultura de subsistência, principal fonte de renda dessas comunidades, criando uma situação de insegurança alimentar que se intensifica com a progressiva perda de acesso a água potável.
Outro ponto crítico abordado pelo documentário é o impacto das queimadas e do desmatamento na Amazônia. Em 2024, a Amazônia registrou um total de 102.993 focos de calor até setembro, um aumento em relação aos números do ano anterior, intensificado pelo fenômeno El Niño e pelas altas temperaturas que tornam a vegetação mais seca e inflamável (INPE, 2024). Segundo o WWF Brasil, aproximadamente 52% desses focos têm origem em atividades humanas, como o desmatamento ilegal, que visa expandir áreas para agricultura e pecuária. A fumaça das queimadas afeta diretamente a saúde pública e aumenta a incidência de doenças respiratórias, especialmente em crianças e idosos (WWF Brasil, 2024; GREENPEACE, 2024).
Diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, o Brasil tem desenvolvido legislações para promover a mitigação e a adaptação climática. A Lei nº 14.904, de 2024, e o Decreto nº 11.235, de 2022, representam um esforço conjunto para fortalecer a proteção das comunidades em áreas de risco, promovendo políticas de adaptação e ações que busquem reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Contudo, essas políticas ainda enfrentam desafios em sua aplicação prática, especialmente em regiões que mais precisam de apoio para implementar medidas adaptativas.
A Lei nº 14.904, de 2024, estabelece diretrizes para reduzir as emissões e promover ações de adaptação climática, incentivando a transição para energias renováveis e o aumento da eficiência energética, além de promover a restauração de ecossistemas degradados (BRASIL, 2024). Entretanto, a implementação dessa lei depende de um apoio contínuo e adequado às regiões mais vulneráveis e economicamente frágeis, que necessitam de infraestrutura e recursos específicos para lidar com os eventos climáticos extremos de forma sustentável e eficaz. A falta de financiamento e de ações específicas para essas regiões compromete o sucesso da legislação e dificulta a realização dos objetivos propostos.
O Decreto nº 11.235, de 2022, também busca fortalecer a adaptação climática no Brasil, promovendo uma coordenação entre os governos federal, estadual e municipal para proteger as áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas. Esse decreto incentiva o desenvolvimento de infraestruturas resilientes e a criação de sistemas de alerta precoce para desastres naturais, como deslizamentos e enchentes, fundamentais para áreas de risco (BRASIL, 2022). Apesar das diretrizes bem definidas, a aplicação prática desse decreto enfrenta limitações, pois faltam investimentos específicos para a infraestrutura de proteção e para a capacitação de brigadas de incêndio em regiões remotas e de difícil acesso, onde a presença do governo é essencial para a contenção de atividades ilegais e o combate ao desmatamento.
Além das limitações de implementação, o sistema de fiscalização ambiental também enfrenta desafios. A insuficiência de recursos, a paralisação de funcionários e a falta de apoio logístico dificultam a fiscalização efetiva das atividades ilegais, como o desmatamento e as queimadas criminosas na Amazônia. Embora o governo tenha destinado R$ 11 milhões para ações emergenciais, a quantia é considerada insuficiente pelos especialistas, especialmente considerando a extensão e a gravidade das queimadas e desmatamentos no bioma amazônico. A impunidade e a dificuldade de monitorar áreas remotas incentivam a continuidade dessas práticas, prejudicando as comunidades locais e afetando a biodiversidade da região (GREENPEACE, 2024; WWF Brasil, 2024).
Uma proposta inovadora e promissora para fortalecer a governança climática no Brasil é o reconhecimento do direito fundamental ao clima. De acordo com Stoll (2023), o direito ao clima deve ser considerado um direito fundamental, pois a proteção climática é indispensável para assegurar condições mínimas de vida saudável e equilibrada. Esse reconhecimento jurídico obrigaria o Estado a adotar medidas mais rigorosas e inclusivas de mitigação e adaptação, promovendo políticas públicas que levem em conta a justiça climática e a proteção ambiental, com um compromisso claro em proteger as gerações presentes e futuras.
O direito fundamental ao clima, portanto, poderia atuar como um princípio orientador para a elaboração e execução de políticas ambientais e de adaptação climática, promovendo uma governança transversal e integrada. Ao garantir que o direito ao clima seja respeitado, o Brasil estaria reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e assegurando a implementação de uma política ambiental mais equitativa e eficaz, com foco nas populações vulneráveis e na preservação dos ecossistemas essenciais para a estabilidade climática (Stoll, 2023). Essa abordagem poderia servir como um modelo para outras nações que enfrentam desafios similares, ampliando o impacto das políticas climáticas e promovendo uma governança climática comprometida com a justiça e a proteção ambiental.
A implementação do direito fundamental ao clima no Brasil representaria um avanço essencial na promoção de uma governança ambiental inclusiva e adaptativa. Esse direito, ao colocar o clima e o bem-estar ecológico no cerne das decisões políticas e sociais, reforça o compromisso nacional com a justiça climática e com a proteção das populações mais vulneráveis, que são as mais atingidas pelas mudanças climáticas. Além disso, ao consolidar o direito ao clima como um princípio estruturante da política ambiental brasileira, o país pode se posicionar como um líder em sustentabilidade, criando um modelo que pode inspirar outras nações a adotar uma abordagem similar. Esse marco jurídico fortaleceria as bases para uma política ambiental mais integrada e sustentável, garantindo a conservação dos ecossistemas e a adaptação a um futuro onde as mudanças climáticas são um desafio global permanente.
Referências
BRASIL. Decreto nº 11.235, de 8 de setembro de 2022. Estabelece diretrizes para a adaptação climática. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2022.
BRASIL. Lei nº 14.904, de 27 de junho de 2024. Dispõe sobre mitigação e adaptação climática no Brasil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2024.
FAO. Relatório de Segurança Alimentar no Brasil. Roma: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2021.
GREENPEACE. O Amanhã é Hoje – o drama de brasileiros impactados pelas mudanças climáticas. Documentário, 2018.
INPE. Monitoramento de Queimadas na Amazônia em 2024. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/. Acesso em: 23 out. 2024.
IPCC. Sixth Assessment Report. Intergovernmental Panel on Climate Change, 2021.
OMS. Relatório de Saúde e Mudanças Climáticas. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2022.
PBMC. Relatório Nacional de Mudanças Climáticas. Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, 2020.
STOLL, Sabrina Lehnen. STOLL, Sabrina Lehnen. Direito Fundamental à Proteção Climática. São Paulo: Editora XYZ, 2023.
WWF Brasil. Amazônia já tem mais de 50 mil focos de fogo em 2024 e fumaça se espalha pelo país. 2024. Disponível em: https://www.wwf.org.br/. Acesso em: 23 out. 2024.
Comments