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Minerais Críticos: o desafio para o Brasil

Foto do escritor: RupturaRuptura

Atualizado: 25 de nov. de 2024

Fernanda Rezende Martins*


A mudança da relação do ser humano com a natureza ao longo do tempo realçou sua habilidade não só de compreender o ambiente em que está inserido como também de transformá-lo a seu favor, submetendo-o a impactos e riscos que ameaçam toda a vida no planeta Terra –inclusive de sua própria espécie. Isso porque, principalmente após o século XV, a constante busca pela produção social de riqueza passou a ser acompanhada pela produção social de riscos e impactos, os quais, diante da globalização, não estão mais restritos ao lugar em que foram gerados (GIDDENS, 2002, p. 14).


Com isso, o meio ambiente passou a ser visto como uma máquina constituída de partes distintas e mensuráveis, sendo excluídas e ignoradas propriedades qualitativas, para se escrever a natureza em termos matemáticos. Tal ênfase, durante séculos, ignorou a importância de muitas propriedades do meio ambiente, reduzindo a relação com a natureza para uma questão meramente econômica e exploratória, marcada pelo intenso extrativismo para fins comerciais (CAPRA; MATTEI, 2018). Neste sentido, François Ost (1995) afirma que a relação homem vs. natureza não apenas se “antropoformizou” como também se “economizou”.


É nessa conjuntura que emerge a crise climática, a qual tem como principal faceta o indubitável aumento da temperatura terrestre devido às emissões antropogênicas de gases de efeito estufa (GEE). À vista disso, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que avalia as mudanças climáticas, vem demonstrando a necessidade de uma efetiva redução do uso de combustíveis fósseis (IPCC, 2022). Para tanto, uma descarbonização dos setores de produção por meio de alternativas sustentáveis é latente, exigindo grandes mudanças na exploração de recursos naturais para uma transição energética de baixo carbono.


Diante disso, o setor de mineração é uma das grandes áreas afetadas pela demanda provocada pela transição energética. Apesar de a atividade em si não ser considerada a maior contribuinte para a emissão de GEE, o desmatamento de grandes áreas para instalação do empreendimento é significativo. Tanto é assim, que projetos minerais podem aumentar significativamente a perda florestal a uma distância de até 70 km das minas (SONTER et al, 2017).


Essa situação agravou ainda mais a crise de credibilidade enfrentada pelo setor minerário nos últimos anos, especialmente em razão dos desastres relacionados à segurança no trabalho e à saúde. Assim, as percepções sobre os esforços da indústria para enfrentar as mudanças climáticas tornaram-se tão cruciais para os investidores quanto para as comunidades diretamente afetadas pela exploração, que estão cada vez mais exigentes e conscientes de seus direitos (HOPKINS; KEMP, 2021).


Para se reinventarem, as mineradoras têm se posicionado como protagonistas na produção de” energia limpa”, por meio da extração de minerais essenciais para a geração de eletricidade a partir de fontes como a energia eólica e solar, além de atuar no armazenamento dessa energia e na infraestrutura necessária para sua transmissão. Esses minerais, conhecidos como “minerais críticos”, são definidos pela Agência Internacional de Energia (AIE) como aqueles indispensáveis para tecnologias de energia limpa e outras inovações tecnológicas, e cujas cadeias de fornecimento são vulneráveis a interrupções (IEA, 2023).


Contudo, a retórica de expansão da mineração como único caminho para o combate à crise climática apresenta questões que devem ser analisadas com um viés crítico. O primeiro ponto diz respeito ao fato de que a ampliação da exploração mineral coloca em xeque a ideia de “energia limpa”, já que a extração e o beneficiamento destes minerais causam significativos impactos sociais e ambientais. Logo, a expressão “energia limpa” torna-se um oxímoro, isto é, uma contradição em termos, em que as empresas se apegam para continuar obtendo lucro, prometendo um “futuro limpo” por meio da “mineração suja” (REDCLIFT, 2006).


Outro ponto é a defesa de uma falsa ideia de que haveria recursos minerais suficientes para garantir o atual modelo de consumo energético. Esta alternativa já restou comprovadamente insustentável, tendo em vista a alta demanda dos referidos minerais, principalmente para os próximos anos, e a pouca existência destes minérios no planeta não só impediria a denominada “transição” como também colocaria em ameaça outros direitos que passariam a ser mitigados para alcançar este objetivo:


“[...] essa narrativa poderia inclusive, dificultar a resistência nos territórios e gerar novos desafios para as comunidades que enfrentam os impactos dos projetos extrativos. Por exemplo, a abertura de uma mina de lítio para fabricar baterias se mostraria como um objetivo mais legítimo e justificável do que a extração de ouro para a especulação financeira. Implícito nesse discurso de combate às mudanças climáticas ‘globais’ estaria um pensamento fundamentalmente utilitarista, uma vez que em nome da salvação ‘do mundo’, alguns sacrifícios ‘locais’ teriam de ser aceitos” (COELHO; MILANEZ; PINTO, 2016, p. 07).


Diante desse cenário, o Brasil tem se destacado no contexto internacional por possuir uma ampla reserva de minerais críticos em seu território (SILVA et al., 2024). No entanto, muitos desses minerais estão localizados em áreas que já enfrentam os impactos da mineração há anos, tornando-se altamente vulneráveis a novos danos ambientais. Além disso, outras reservas encontram-se em territórios ainda não explorados, mas de grande importância cultural e biológica, os quais, mesmo assim, estão sendo pressionados para a abertura de novas áreas de exploração (QUEIOROZ, 2024).


Como consequência, o Brasil, além de seu histórico extrativista e dos recentes desastres com repercussão mundial nos últimos anos (MARTINS, 2022), corre o risco de continuar sendo um mero fornecedor de recursos primários neste novo contexto. Esse quadro pode resultar em custos ambientais, sociais e econômicos elevados para o país, caso a transição não seja conduzida de forma planejada e em consonância com os direitos socioambientais já consolidados.


Diante dos desafios colocados pela transição energética e da crescente demanda por minerais críticos, é fundamental que o Brasil adote uma abordagem estratégica e responsável para evitar que essa fase não se transforme em mais um ciclo de extrativismo predatório. O país, com sua vasta reserva de recursos minerais, tem uma oportunidade única de liderar a transição para uma economia de baixo carbono, mas para isso precisa alinhar o desenvolvimento mineral com a proteção dos direitos socioambientais e a preservação de ecossistemas essenciais.


Não se deve permitir que, em nome da “energia limpa”, a exploração de minerais críticos siga o mesmo caminho de devastação que caracteriza o histórico da mineração no Brasil. A transição energética deve ser construída sobre princípios de justiça social e sustentabilidade ambiental, para que não se repitam os erros do passado, mas sim, se promova um futuro que respeite as comunidades locais e o meio ambiente.


*Doutoranda em Direito Ambiental na Universidade de São Paulo (USP), com bolsa do Programa de Excelência Acadêmica da CAPES, e integra a coordenação do grupo de extensão "Oficina de Direito Ambiental" da Faculdade de Direito da USP. Possui mestrado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e é especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela PUC/Minas


Referências


CAPRA, Fritjof; MATTEI, Ugo. A revolução ecojurídica: o direito sistêmico em sintonia com a natureza e a comunidade. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Cultrix, 2018.


COEHO, Tádzio Peters.; MILANEZ, Bruno; PINTO, Raquel G. A Empresa, o Estado e as comunidades. In: ZONTA, Marcio; TROCATE, Charles (Orgs.) A questão mineral no Brasil. Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/Vale /BHP BILLITON. Vol. 2, Marabá (PA): Editorial iGuana, 2016.


GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 2002.


HOPKINS, Andrew; KEMP, Deanna. Credibility crisis: Brumadinho and the politics of mining industry reform. Sydney: Wolters Kluwer Publishers, 2021.


INTERNATIONAL ENERGY AGENCY–IEA. Latin America Energy Outlook. Paris: International Energy Agency, 2023.


INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE – IPCC. Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. 2022. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/. Acesso em: 22 nov. 2024.


MARTINS, Fernanda Rezende. Desafios na reparação dos atingidos pela barragem de Fundão: gerenciamento do caso pelo Brasil e as possibilidades emergentes no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. São Paulo: Dialética, 2022.


OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.


QUEIROZ, Christina. Territórios em disputa. Pesquisa FAPESP, setembro de 2024, pp. 78-83. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/leia-a-edicao-de-setembro-de-2024/. Acesso em: 22 nov. 2024.


REDCLIFT, Michael R. Sustainable development (1987–2005): an oxymoron comes of age. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p. 65-84, jan./jun. 2006.


SILVA, G. F et al. (Orgs.) An overview of Critical and Strategic Minerals of Brazil. 2024 Edition. Serviço Geológico do Brasil, Brasília - DF, 2024.


SONTER, Laura. J; HERRERA, Diego; BARRETT, Damian. J; GALFORD, Gillian. L.; MORAN, Chris. J.; SOARES-FILHO, Britaldo. S. Mining drives extensive deforestation in the Brazilian Amazon. Nature communications, pp. 1-7, 2017.

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