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NEWSLETTER #21.2024

Foto do escritor: Alexandre MaskAlexandre Mask

Confira abaixo os destaques da nossa equipe da última semana:



1) Agronegócio em foco: isenções, anistias e rebranding marcam o setor.

 

No cerne do agronegócio brasileiro, um conjunto de políticas e práticas recentes tem suscitado intensos debates sobre o impacto e a ética por trás das ações de grandes fazendeiros e do governo. Documentos revelados mostram que, por quase um ano, o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) e o governo estadual firmaram acordos que isentaram fazendeiros de pagar indenizações por desmatamento ilegal, num movimento que ficou conhecido como “anistiaço”. Entre setembro de 2023 e junho de 2024, acordos permitiram a liberação de fazendas embargadas sem a cobrança de danos ambientais, resultando na sensação de que “o crime compensa”, segundo ambientalistas. A prática foi defendida pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) como um método para acelerar a resolução de conflitos judiciais e administrativos, embora promotores e defensores do meio ambiente argumentem que tal abordagem contraria a jurisprudência e incentiva a destruição ambiental.

Paralelamente, a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional provocou reações do setor agropecuário, especialmente após a proposta de retirar a carne das isenções na cesta básica. O agronegócio alega que a medida prejudicará produtores e consumidores, elevando os custos e impactando a economia rural. A reação é vista como parte de um esforço maior do setor para manter seus benefícios fiscais, que são amplamente criticados por setores que apontam a falta de contrapartidas sociais e ambientais.

A questão dos benefícios fiscais também veio à tona em uma investigação, que revelou que empresas autuadas por trabalho escravo receberam mais de R$ 1 bilhão em isenções fiscais nos últimos anos. Essa revelação lança luz sobre as complexas relações entre grandes empresas do agronegócio e o governo, evidenciando um sistema que muitas vezes premia práticas questionáveis em detrimento dos direitos trabalhistas e humanos. “É um ciclo vicioso onde empresas que exploram trabalhadores ainda são beneficiadas com incentivos financeiros”, destacou um especialista em direito trabalhista.

Em meio a essa turbulência, o agronegócio brasileiro busca um rebranding, tentando melhorar sua imagem perante a opinião pública. Reportagens recentes apontam que, frente às críticas crescentes e à pressão internacional por práticas mais sustentáveis e éticas, o setor está investindo em novas estratégias de comunicação e marketing. A ideia é apresentar uma face mais moderna e responsável do agronegócio, enfatizando iniciativas de sustentabilidade e avanços tecnológicos que contribuem para a produção agrícola mais eficiente e ambientalmente consciente. Insta relembrar ser de conhecimento amplo que trata-se de puro greenwashing.

 

 

2) Desmatamento e capital financeiro: pressões e propostas legislativas no Brasil.

 

A demanda crescente por produtos agropecuários no Centro-Sul do Brasil não apenas impulsiona a exportação, mas também intensifica o desmatamento na Amazônia. Segundo estudo divulgado pela Universidade de São Paulo (USP), a pressão pelo aumento da produção está diretamente ligada à devastação florestal. O relatório enfatiza que, embora a exportação seja um fator significativo, a demanda interna, especialmente de regiões como São Paulo e Minas Gerais, também desempenha um papel crucial. Esse fenômeno é alarmante, pois coloca em risco a biodiversidade da maior floresta tropical do mundo e exacerba a crise climática.

Enquanto isso, uma investigação revela que o Banco do Brasil está sendo alvo de críticas por conceder crédito rural a produtores envolvidos em atividades de desmatamento em Rondônia. A reportagem destaca que, apesar das políticas internas do banco para promover a sustentabilidade, há evidências de que os financiamentos estão contribuindo para a degradação ambiental. “Esses financiamentos não podem continuar a apoiar atividades que destroem nossas florestas”, afirmou um representante de uma ONG ambiental.

Em um cenário de discussões legislativas, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou um substitutivo ao Projeto de Lei 1.935/2019, que proíbe o fracking no Brasil. O texto resgata uma proposta do ex-deputado Rodrigo Agostinho, agora presidente do IBAMA, e visa banir a técnica de fraturamento hidráulico devido aos seus impactos ambientais e sociais severos. Estados como Paraná e Santa Catarina já possuem legislações que proíbem o fracking, e a Bahia está prestes a votar uma medida semelhante. Em Mato Grosso, um projeto de lei proibindo o fraturamento hidráulico foi vetado pelo governador, mas os esforços para reverter o veto continuam. “Essa proibição é crucial para proteger nossos lençóis freáticos e a produção agrícola do estado”, destacou o deputado Diego Guimarães.

 

 

3) Créditos de carbono: questões, fraudes e soluções no contexto amazônico.

 

No mundo dos créditos de carbono, recentes revelações têm levantado preocupações significativas sobre a integridade e eficácia deste mecanismo como solução ambiental. Um dos casos mais alarmantes envolve Ricardo Stoppe Junior, um empresário acusado de liderar um esquema de fraudes envolvendo R$ 180 milhões em créditos de carbono lastreados em terras griladas da União no Amazonas. De acordo com a Polícia Federal (PF), Stoppe Junior utilizava certificados fraudulentos e inserção de dados falsos em cartórios e órgãos públicos para se apropriar ilegalmente de terrenos na Amazônia, lucrando com a venda de créditos de carbono.

A investigação revela pagamentos ilícitos a servidores do Incra, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e Secretaria de Estado das Cidades e Territórios do governo do Amazonas. Essas fraudes não apenas revelam a ineficácia dos créditos de carbono como ferramenta ambiental, mas também resultam em danos ambientais estimados em R$ 606 milhões. A exploração de madeira e a criação de gado em áreas protegidas foram algumas das atividades ilegais encobertas sob o pretexto de projetos de crédito de carbono sustentáveis.

Em um contexto mais amplo, a questão dos créditos de carbono na Amazônia foi abordada por Paulo Artaxo, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Artaxo criticou a exploração de petróleo na região, afirmando que “Petróleo na Amazônia e crédito de carbono não são soluções” para os problemas ambientais. Para ele, tais iniciativas frequentemente falham em abordar as causas estruturais da degradação ambiental e podem ser vistas como tentativas de “lavagem verde”.

Adicionalmente, organizações não governamentais internacionais têm pedido o fim do uso de créditos de carbono. Elas argumentam que esse mecanismo permite que empresas continuem a poluir, comprando créditos como uma forma de compensação em vez de reduzir efetivamente suas emissões. As ONGs destacam que muitas dessas práticas de compensação são enganosas e não resultam em benefícios reais para o meio ambiente.

Em outra investigação, a PF destacou o papel central de Stoppe Junior na COP 28, em Dubai, em dezembro de 2023, onde ele foi um dos protagonistas. As conversas interceptadas mostram um esquema bem articulado de corrupção e fraude, com o envolvimento de diversos servidores públicos. Um dos diálogos revela que um ex-superintendente do Incra, influenciado por Stoppe, foi peça chave na aprovação de documentos fraudulentos para o grupo criminoso.

A complexidade e o alcance das fraudes expostas ressaltam a necessidade urgente de revisão e reforço dos mecanismos de controle e transparência no mercado de créditos de carbono. O governo do Amazonas afirmou seu compromisso com a transparência e colaboração com a Justiça, enquanto o Incra declarou que está auxiliando as investigações e que medidas administrativas serão tomadas com base nos resultados.

 

 

4) Movimentos sociais e desigualdades socioclimáticas: confrontos e propostas para um futuro sustentável.

 

A luta pela justiça climática e as implicações socioeconômicas da crise climática foram temas centrais abordados por Esther Duflo, vencedora do Prêmio Nobel de Economia, durante sua palestra no teatro do Sesc 14 Bis. Duflo destacou a responsabilidade dos super-ricos e das multinacionais na crise climática, enfatizando a necessidade de taxação internacional para bilionários como forma de mitigar a dívida histórica com as populações mais vulneráveis. Ela ilustrou essa crise citando desastres climáticos recentes no Brasil, como as inundações no Rio Grande do Sul e as temperaturas extremas no Rio de Janeiro, ressaltando que "algo que assola hoje, não mais o futuro."

Duflo destacou que 10% dos mais ricos são responsáveis por 50% das emissões de CO2, enquanto os mais pobres sofrem as consequências desproporcionais dessas emissões, com aumento da mortalidade em regiões como África, sul da Ásia e América Latina. O J-PAL, centro de pesquisa fundado por Duflo, trabalha para desenvolver políticas eficazes de taxação e redistribuição, com o objetivo de arrecadar US$500 bilhões por ano para compensar os danos causados pelos desastres climáticos.

O contexto da crise climática e seus impactos na América Latina foi aprofundado pelo artigo do Dialogue Earth, que evidenciou como as mudanças climáticas intensificam a desigualdade social e afetam diretamente os trabalhadores. Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, resultam em perdas econômicas significativas, especialmente para aqueles que dependem da agricultura e de empregos informais. Além disso, a falta de infraestrutura adequada nas regiões mais pobres agrava os efeitos desses desastres, perpetuando um ciclo de pobreza e vulnerabilidade.

Paralelamente, no cenário político brasileiro, o Projeto de Lei (PL) anti-MST gerou acaloradas divergências entre deputados de direita, levando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara a adiar a análise do texto. O PL, que visa restringir as atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi criticado por representantes da oposição e de movimentos sociais, que veem na proposta uma tentativa de criminalizar a luta por reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores rurais. "Essa transferência de fundos pode salvar milhares de vidas", enfatizou Duflo, reforçando a necessidade de políticas públicas que abordem a desigualdade e a justiça climática.

Os debates acalorados na CCJ refletem a polarização política em torno das questões agrárias e ambientais no Brasil, evidenciando a necessidade urgente de um diálogo construtivo para promover a sustentabilidade e a justiça social. A proposta do governo brasileiro ao G20 para taxar super-ricos, elaborada pelo economista Gabriel Zucman, destaca a possibilidade de arrecadar US$250 bilhões por ano, mostrando que é possível liderar a implementação de medidas efetivas contra a crise climática e a desigualdade.

 

 

5) Crise climática: impactos devastadores no Brasil e no mundo.

 

Nos últimos tempos, o mundo tem testemunhado uma série de eventos climáticos extremos, reforçando a urgência da crise climática global. No Brasil, o Rio Grande do Sul foi palco de uma tragédia climática devastadora, onde especialistas identificaram um quadro alarmante de desastres ambientais. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) relatou que as enchentes catastróficas na região não apenas desalojaram milhares de famílias, mas também expuseram a vulnerabilidade das infraestruturas locais diante de eventos climáticos extremos. “As lições dessa enchente são claras: precisamos de políticas públicas robustas e um planejamento adequado para enfrentar essas emergências”, afirmou um especialista.

Essa tragédia local se insere em um contexto global de aumento das temperaturas. Junho de 2024 foi registrado como o mês mais quente de todos os tempos, com uma média de 16,66°C, segundo dados do observatório europeu Copernicus. Esse foi o décimo terceiro mês consecutivo de recordes de calor, uma sequência que os cientistas classificam como uma “anomalia de temperatura”. A temperatura média global nos últimos doze meses foi a mais alta já registrada, superando em 0,76°C a média de 1991-2020 e em 1,64°C a média pré-industrial de 1850-1900. Esse aquecimento anômalo é um sinal claro da emergência climática que estamos vivendo.

O impacto desses recordes é visível não só no aumento das temperaturas, mas também nos efeitos desastrosos associados. O degelo na Antártida e no Ártico atingiu níveis críticos, com a extensão do gelo marinho antártico caindo para um dos menores níveis já registrados. Além disso, 2024 pode se tornar o ano mais quente da história, impulsionado pelo fenômeno El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico. Zeke Hausfather, cientista da Berkeley Earth, afirmou que há uma probabilidade de 95% de que 2024 supere 2023 como o ano mais quente já registrado.

As consequências desse aquecimento já são sentidas globalmente. Durante a peregrinação do hajj no mês passado, mais de 1.000 pessoas morreram devido ao calor extremo. Em Nova Deli, uma onda de calor sem precedentes resultou em inúmeras mortes, e turistas na Grécia também sucumbiram às altas temperaturas. Friederike Otto, cientista climática do Instituto Grantham do Imperial College London, frisou a necessidade urgente de cessar a queima de combustíveis fósseis para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

A crise climática não é mais uma previsão distante, mas uma realidade que está moldando o presente. As tragédias no Rio Grande do Sul e os recordes de temperatura globais são um chamado urgente para ação. As palavras de Otto ecoam a urgência da situação: “Não podemos parar o El Niño, mas podemos parar a queima de petróleo, gás e carvão”.

 

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