A atual década é marcada por traços de conflitos bélicos, pandemias, devastações ambientais e mudanças climáticas sem precedentes. Particularmente no Brasil e em outras nações da periferia do sistema capitalista, a ofensiva da classe dominante intensifica-se, trazendo consigo consequências catastróficas para a classe trabalhadora, incluindo insegurança alimentar e fome. No centro deste cenário, encontra-se o Agronegócio, ou Agrobiz[1], cuja influência e operações serão o foco deste artigo.
O texto de hoje compõe a primeira parte da serie "A dialética do Agro" e focaliza o papel do Agronegócio na fomentação de conflitos, não apenas em termos literais, mas também no que concerne a conflitos socioeconômicos e culturais.
Nos idos de 1960, por quase 10 anos a “Operação Ajudante de Fazendeiro” [Operation Rancho Rand] despeja em torno de 80 milhões de litros de Agente Laranja e outras variantes por cima do Vietnã do Sul, atingindo cerca de 16% da extensão daquele país. O objetivo era exterminar as florestas e plantações que dificultavam o exército estadunidense a seguir com sua guerra imperialista[2]. Não lograram êxito no combate, os vietcongues colocaram os belicistas do Tio Sam para correr. Contudo, outra guerra se iniciara. De forma invisível, mas que perduraria até os tempos atuais com elevadas taxas de câncer, distúrbios diversos desde o sistema respiratório a epiderme, abortos espontâneos, defeitos congênitos nas gerações seguintes, um legado tóxico sobre a saúde do povo vietnamita. Veteranos estadunidenses da Guerra do Vietnã contraíram o mal de Parkinson, pela mesma causa[3].
Um dos precursores do Agente Laranja é o herbicida 2.4-D, fabricado pela Monsanto, que carrega em seu portfólio produtos como DDT, Roundup (glifosato), dentre outros venenos e peripécias químicas irresponsáveis, além da Bomba Atômica e diversas armas nucleares. Este herbicida contém o que se conhece por dioxina, que é constituída por uma relação de diversos compostos químicos carinhosamente chamados de Os doze condenados[4]. Um grupo de contaminadores ambientais persistentes e bioacumulativos[5]. Todos esses produtos foram criados como armas químicas de guerra.
Este não é um fenômeno isolado. A relação entre a guerra e a tecnologia tem profundas raízes filosóficas e históricas. Além dos efeitos tangíveis dessas armas químicas na saúde e no meio ambiente, há implicações mais profundas. A relação entre a guerra e a tecnologia, como observado pelo filósofo alemão Walter Benjamin, tem raízes profundas em nossa sociedade. Segundo ele, a guerra é o ponto de convergência para a estética da política. Do ponto de vista técnico, apenas a guerra é capaz de mobilizar a tecnologia na sua totalidade, e ao mesmo tempo preservar as relações de produção. É, portanto, através da guerra que os maiores desenvolvimentos tecnológicos se sucedem[6].
E após a guerra? Para onde vai essa tecnologia? Como recuperar todo o derrame financeiro que a guerra proporcionou?
No caso das armas químicas citadas acima, a Revolução Verde[7], ou Contrarrevolução Verde, para um nome mais adequado, foi um dos principais meios de reutilização das tecnologias de guerra na segunda metade do século XX. Tais práticas são mantidas até a atualidade. No final da 1ª Guerra Mundial, alemães detinham elevadas quantidades de estoque de nitratos (matéria-prima para fabricação de explosivos) sem destino, que foram reciclados pela indústria química e introduzidos impositivamente na agricultura. Esta passou a ser o “lixão” da indústria da guerra[8].
Nem a agricultura, tampouco os agricultores criaram, ou sequer solicitaram, o desenvolvimento de agrotóxicos. São produtos da guerra, criados para matar o ser humano e destruir suas plantações. Não são produtos que buscam quaisquer benefícios para a humanidade. Nesse sentido, devemos chamá-los da forma correta: veneno – arma química – agrotóxico. Esses venenos intoxicam anualmente mais de 3 milhões de pessoas, e mais de 7,3% são levados a óbito. Todos os dias pelo menos 660 pessoas são vítimas dos agrotóxicos[9].
A estreita relação entre os conflitos armados e a agricultura revela uma história perturbadora. As armas químicas, criadas para devastar e matar em tempos de guerra, encontraram um novo campo de batalha nos terrenos agrícolas, levando a consequências desastrosas para a saúde humana e o ambiente. Esta realidade reforça o poder e a influência que as indústrias bélica e agrícola têm sobre a trajetória da humanidade. Mas a guerra não é a única face sombria do Agrobiz.
As consequências mortais do uso indiscriminado desses venenos na agricultura nos conduz ao próximo tópico (que será publicado amanhã), onde exploraremos mais a fundo o papel do Agronegócio na propagação da morte.
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