Jéssica Tavares Fraga Costa
Leura Dalla Riva
Ligia Payão Chizolini
Em que pese o governo Lula ter ganhado forte apoio popular nas urnas em 2022 ao apresentar propostas centradas na proteção do meio ambiente e enfrentamento das mudanças climáticas, compromissos reiterados com a nomeação de Marina Silva como Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMAMC), durante este primeiro ano do novo mandato de Lula foram observados alguns conflitos entre o governo e o MMAMC, como já mencionado em outros ensaios deste volume[1], especialmente em decorrência das propostas para exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobrás.
Nesse sentido, este ensaio tem como objetivo apresentar os perigos da exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o desenvolvimento dos debates e aparente conflito durante esse ano de 2023 entre o MMAMC, Ibama, Legislativo e AGU. Por um lado, essas divergências refletem a complexidade do debate em torno da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, evidenciando a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento, transição energética e a preservação ambiental. Por outro lado, num contexto de emergência climática, a insistência na exploração de combustíveis fósseis representa um projeto de cunho desenvolvimentista, na contramão da necessária transição energética para mitigação dos efeitos catastróficos das mudanças climáticas.
1. Exploração de petróleo na Foz do Amazonas e conflitos entre MMAMC, Governo e Legislativo brasileiro
A Bacia da Foz do Amazonas é uma região com aproximadamente 282.909 km² de área, que inclui a plataforma continental, o talude e a região de águas profundas, fazendo fronteira com o platô de Demerara e a Bacia Pará-Maranhão. Sua localização é em frente ao litoral do Estado do Amapá e parte do litoral noroeste do Estado do Pará (Brasil, 2021).
Os primeiros estudos para exploração da Bacia da Foz dos Amazonas foram feitos em 1963. Durante o final da década de setenta, o interesse na área se intensificou, sendo firmados contratos com três diferentes petrolíferas, que chegaram a perfurar trinta e três poços dos noventa e cinco existentes atualmente. A partir da promulgação da Lei do Petróleo em 1997 e criação da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás NAtural e Biocombustíveis), a Petrobras requisitou, na primeira rodada de licitação, três blocos de exploração na área no Cone do Amazonas, localizado na parte profunda da bacia. Desde então, a Petrobras arrematou uma grande quantidade de blocos disponíveis nas seis rodadas de licitação realizadas, incluindo os localizados na Foz do Amazonas. Em 2013, ocorreu a 11ª rodada de licitação das áreas de exploração de petróleo e gás natural pela ANP, na qual foi oferecido o bloco 59, região que hoje se encontra em processo de licenciamento para início da exploração (Brasil, 2021).
Segundo o Monitor Amazônia Livre de Petróleo do Instituto Arayara, atualmente, no Brasil, há 278 blocos em fase de contrato e exploração de petróleo e gás natural, enquanto 955 encontram-se em processo de oferta e 1.006 estão em fase de análise e estudo para potencial exploração em todo o território nacional. No que diz respeito especificamente ao território amazônico, há 52 blocos em contrato e em fase de exploração, 92 em oferta e 307 em processo de estudo. De acordo com o levantamento da organização citada, dos 09 países onde se encontra a Floresta Amazônica, apenas a Guiana Francesa não explora ou pretende explorar petróleo e gás na região. Nesse cenário, o Brasil é o país com a maior quantidade de blocos exploratórios, seguido pela Bolívia com 129 blocos exploratórios, dentre os quais 47 já estão em contrato ou exploração. O terceiro lugar fica com a Colômbia, que possui a intenção de explorar gás e petróleo em 104 blocos dentro do território amazônico, dos quais 18 já estão em utilização (Instituto Arayara, 2023).
A Foz do Amazonas fica ainda na reigão da chamada “Margem Equatorial” brasileira que se extende do Amapá ao Rio Grande do Norte. Recentemente, o Ibama concedeu licença para a Petrobras perfurar poços de petróleo na Margem Equatorial, mas na região do Rio Grande do Norte (Bacia do Potiguar), mantendo a negativa em relação aos projetos na região próxima à Foz do Amazonas (Carregosa, 2023).
A exploração de petróleo na Foz do Amazonas tem sido um tema de grande controvérsia e debate ao longo do último ano, esse debate tem sido marcado por um conflito de interesses entre o Ministério do Meio Ambiente e o governo, juntamente com a participação do Legislativo através da criação da Frente Parlamentar do Petróleo com objetivo de pressionar a liberação dessas atividades. Destacam-se a seguir os principais argumentos envolvendo o debate.
A exploração de petróleo na Foz do Amazonas desperta interesse devido à sua importância estratégica e econômica na região. A região da Foz do Amazonas, está localizada na costa norte do Brasil, abrange uma extensa área marítima que se estende desde o estado do Amapá até o Rio Grande do Norte (Ferreira, 2015). Em termos estratégicos, a Foz do Amazonas é considerada uma área de grande potencial petrolífero. Estudos geológicos indicam a presença de reservas significativas de petróleo e gás natural na região, despertando o interesse de empresas de exploração e produção de petróleo e ainda, segundo o IBP — Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (2016), em 2013 a atividade extrativa de petróleo e gás representou 2,7% do Produto Interno Bruto do país, totalizando cerca de 124 milhões de reais.
Essa região tem sido alvo de estudos geológicos e pesquisas que indicam a existência de significativas reservas de petróleo e gás natural. Os argumentos utilizados para defesa do projeto do ponto de vista apenas econômico centralizam o aspecto de que a exploração de petróleo na Foz do Amazonas tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento econômico da região e do país como um todo. A exploração de grandes reservas petrolíferas potenciais na Foz do Amazonas tem despertado interesse tanto de empresas do setor petrolífero quanto do governo (Schaffel, 2002).
De acordo com um relatório do projeto Amazon Watch de 2020, para as empresas do setor petrolífero, a possibilidade de explorar essas reservas representa uma oportunidade de investimento e lucro. Grandes empresas nacionais e internacionais têm demonstrado interesse em obter licenças de exploração e produção na região, buscando aproveitar o potencial petrolífero e expandir suas atividades de extração. Por sua vez, o governo tem interesse na exploração de petróleo na Foz do Amazonas como uma forma de impulsionar o desenvolvimento econômico e a geração de receitas para o país. A exploração petrolífera pode contribuir para o aumento da produção nacional de petróleo, reduzindo a dependência de importações e fortalecendo a autonomia energética do Brasil. Além disso, o governo também enxerga a exploração de petróleo como uma fonte de arrecadação de impostos e royalties que poderiam ser direcionados para investimentos em infraestrutura, educação, saúde e outras áreas prioritárias (Amazon Watch, 2020).
O interesse das empresas e do governo na exploração da Foz do Amazonas enfrenta desafios e controvérsias, já que a extração de petróleo pode gerar danos incalculáveis ao meio ambiente e ao clima (Schaffel, 2002) que passam a ser ainda mais perigosos quando os empreendimentos não atendem aos requisitos estabelecidos pelo órgão de fiscalização ambiental, como no caso analisado pelo Ibama sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Soma-se às tensões entre setores do governo e o MMAMC as pressões advindas do Legislativo que recentemente criou a Frente Parlamentar do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, representando os interesses favoráveis à exploração.
Preocupações ambientais, preservação dos ecossistemas marinhos e a proteção dos direitos das comunidades tradicionais são questões que precisam ser cuidadosamente consideradas e equilibradas com os benefícios econômicos da exploração (NUSDEO, 2018). O MMAMC tem expressado preocupações significativas em relação à exploração de petróleo na Foz do Amazonas e insistindo na defesa do parecer técnico do Ibama que rejeitou a licença à Petrobrás em maio deste ano (Amorozo, 2023), destacando os potenciais impactos socioambientais negativos na região, sobre biodiversidade, os ecossistemas marinhos e as comunidades tradicionais que dependem desses recursos, bem oos riscos de vazamentos de óleo durante as atividades de exploração e produção.
A complexidade dos ecossistemas da Foz do Amazonas exige uma avaliação rigorosa dos riscos e impactos antes de qualquer decisão ser tomada. Ainda que os defensores do projeto aleguem que os poços a serem perfurados ficam distantes da Foz do Amazonas, o projeto apresentado pela Petrobrás não atende aos requisitos necessários no que diz respeito ao plano de socorro em caso de vazamentos, tendo em vista que a região possui características especiais em razão de seu complexo ecossistema marítimo que a diferem de outras regiões costeiras do país (Antunes; Camillo, 2023).
A ocorrência de vazamentos poderia resultar em danos irreparáveis aos ecossistemas marinhos, causando poluição e afetando a vida marinha, incluindo espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. O MMAMC destaca que a exploração de petróleo na Foz do Amazonas pode levar à degradação dos ecossistemas costeiros e marinhos, afetando áreas de manguezais, recifes de coral e outros habitats importantes. Esses ecossistemas desempenham um papel crucial na proteção da biodiversidade, na captura de carbono e na sustentação das atividades de pesca artesanal, fundamentais para as comunidades locais (Zacardi, 214).
A região da Foz do Amazonas é caracterizada por ecossistemas marinhos sensíveis, como recifes de coral, manguezais e áreas de reprodução e alimentação de diversas espécies. Esses ecossistemas desempenham papéis cruciais na proteção da biodiversidade, na regulação climática e na sustentação de atividades pesqueiras. A exploração de petróleo pode resultar na degradação desses ecossistemas, afetando negativamente a vida marinha e comprometendo os serviços ecossistêmicos que eles fornecem. As offshore sempre carregam consigo o risco de vazamentos de petróleo, que podem ter consequências devastadoras para o meio ambiente, um derramamento de óleo na Foz do Amazonas poderia contaminar as águas, afetar as praias e áreas costeiras, prejudicar a vida marinha e ter impactos duradouros sobre os ecossistemas. (Zampirolli; Marques, 2020) a complexidade da região e as dificuldades logísticas podem agravar ainda mais a resposta a um eventual acidente.
A análise dos benefícios econômicos e sociais em relação ao os possíveis danos ambientais na exploração de petróleo na Foz do Amazonas requer uma avaliação cuidadosa e equilibrada, embora a exploração de petróleo possa trazer benefícios econômicos e sociais, é importante considerar que os possíveis danos ambientais e climáticos podem ser maiores e mais duradouros. É essencial, portanto, realizar uma avaliação completa dos riscos e impactos ambientais, envolvendo a participação de especialistas, comunidades afetadas e organizações ambientais. Essa análise deve considerar os benefícios econômicos e sociais, mas também garantir a proteção e preservação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras, especialmente num contexto marcado pelos eventos climáticos extremos cada vez mais presentes.
A região da Foz do Amazonas é considerada uma área de grande importância ambiental, abrigando ecossistemas sensíveis, como recifes de coral e manguezais, além de uma biodiversidade única, e devido aos riscos ambientais associados à exploração de petróleo nessa região, a concessão de licenças tem sido objeto de debates e análises criteriosas. Diversas organizações ambientais, cientistas e comunidades tradicionais têm expressado preocupações sobre os impactos negativos que a atividade petrolífera poderia causar na Foz do Amazonas e diante disso se torna necessário o presente debate e levar ao conhecimento dos documentos dos presentes procedimentos a fim de garantir uma avaliação adequada sobre o caso em tela.
A seguir, aprofundam-se aspectos a respeito do parecer técnico do Ibama sobre o caso, bem como do posicionamento da Advocacia Geral da União.
2. O parecer técnico do Ibama sobre o caso e a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS)
Em 2014, teve início um processo de licenciamento ambiental para a exploração e produção de petróleo e gás natural no bloco FZA-M-59, correspondente à bacia localizada na foz do Amazonas. Contudo, o IBAMA indeferiu a licença para a perfuração do poço na região exploratória com fundamento em múltiplos motivos. Dentre eles, citou considerar ideal a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para verificar a viabilidade do empreendimento na área (Brasil, 2023).
De acordo com a Portaria Interministerial MME/MMA nº 198/2012, que impõe a realização do estudo no processo de outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, a AAAS é o instrumento correto para “promover a análise de uma determinada área sedimentar, considerando os recursos de petróleo e gás natural potencialmente existentes e as condições e características socioambientais da mesma, em função dos impactos e riscos ambientais associados às atividades petrolíferas” (Brasil, 2023).
Segundo despacho da Presidência do IBAMA, esse estudo ambiental é de extrema importância pois:
[…] poderia ter ajudado a construir um caminho mais seguro para a avaliação de projetos individuais, identificando lacunas de conhecimento, antecipando conflitos e estabelecendo critérios técnicos para operação e, sobretudo, avaliado previamente a aptidão das áreas para empreendimentos do setor. (...) A ausência de AAAS dificulta expressivamente a manifestação a respeito da viabilidade ambiental da atividade, considerando que não foram realizados estudos que avaliassem a aptidão das áreas, bem como a adequabilidade da região, de notória sensibilidade socioambiental, para a instalação da cadeia produtiva do petróleo (Brasil, 2023).
Nesse sentido, fica clara a essencialidade do estudo de AAAS para o contexto socioambiental em que se insere a exploração e produção de petróleo e gás natural na região da foz do Amazonas, tendo em vista ser o melhor instrumento para avaliar a área e identificar potenciais riscos derivados da atividade exploradora.
3. O parecer favorável da AGU à exploração de petróleo na Foz do Amazonas
Em 22 de agosto de 2023, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer a pedido do Ministério de Minas e Energia, com o intuito de esclarecer se a realização da AAAS é obrigatória e se o IBAMA tem o respaldo para negar o licenciamento ambiental caso ela não seja realizada (Brasil, 2023).
Inicialmente, o parecer abordou uma questão preliminar, buscando determinar se o IBAMA havia negado a licença ambiental devido à falta da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar. A análise conduziu à conclusão de que, de fato, esse foi um dos fundamentos utilizados para o indeferimento da licença. Dirimida a questão preliminar, o parecer concluiu que a Portaria Interministerial MME/MMA nº 198/2012 não condiciona a outorga da licença ambiental à realização da Avaliação Ambiental da Área Sedimentar, mas apenas apresenta o instrumento como um mero auxiliar de tomadas de decisões. Sendo assim, a AAAS teria natureza não vinculante aos processos ambientais e não seria, nas palavras da AGU, “um fim em si mesma”. A decisão, portanto, relega ao importante estudo ambiental um papel figurativo, que existe na legislação com o objetivo de entreter o aplicador da norma e não ser de fato realizado (Brasil, 2023)
Com essa fundamentação, o parecer esvazia o conteúdo jurídico da norma, cuja existência se justifica no objetivo de criar novo instrumento ambiental para circunstâncias que correspondam exatamente à situação apresentada, qual seja, a outorga da exploração e produção de petróleo e gás natural. Dessa forma, é retirado o caráter imperativo da legislação, que é transformada em mera sugestão.
A argumentação da AGU se respalda em pareceres de órgãos de assessoramento jurídico do Ministério de Minas e Energia, que afirmam que a decisão tomada no âmbito da AAAS não é vinculante ao resultado do licenciamento ambiental. Também são invocados entendimentos do IBAMA e do STF na ADPF n° 825, no sentido de que o órgão federal não é obrigado a requerer a realização da AAAS para aprovar o licenciamento ambiental.
Contudo, essa linha de raciocínio desenvolvida no parecer desconsidera que, embora já tenha sido decidido que o IBAMA não é obrigado a exigir a AAAS para outorgar a licença ambiental, o inverso não é verdadeiro. Ou seja, nada impede que o órgão federal indefira o licenciamento se entender que a elaboração da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, que não foi feita, era imprescindível para aquele processo de licenciamento específico, dada a importância desse estudo.
O IBAMA é o órgão executor competente a exercer o poder de polícia ambiental, sendo capaz tecnicamente de dirimir qual a necessidade de determinado estudo em relação a certo empreendimento. Ao exigir a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, a autarquia está exercendo sua atribuição legal e concretizando a proteção ao meio ambiente preconizada pela Constituição Federal.
Por sua vez, o parecer da AGU concentra-se em tecnicidades interpretativas, negligenciando a visão macro do problema ambiental, o que resulta em fragilizar desmedidamente o meio ambiente. O entendimento expõe a região da Foz do Amazonas, área extremamente sensível do ecossistema, a uma exploração voraz, sem que sequer seja feita a avaliação do local pelo instrumento previsto pela lei justamente para essa circunstância.
Portanto, a leitura feita pela advocacia pública torna sem efeito a Portaria Interministerial nº 198/2012, deforma o sentido das manifestações prévias de diversos órgãos em relação à necessidade da AAAS em processo de licenciamento ambiental e afronta o sistema de proteção promovido pelo Direito Ambiental Constitucional, ignorando principalmente os caros princípios da prevenção e da precaução, cujo objetivo é impedir danos ao meio ambiente cautelarmente.
4. Desenvolvimentismo e exploração de petróleo na Foz do Amazonas num contexto de emergência climática
Os eventos climáticos extremos dos últimos anos deixam ainda mais evidente o diagnóstico de que o Planeta enfrenta hoje uma crise climática que coloca em risco não apenas a vida humana, mas as formas de vida de modo geral. Apenas neste ano de 2023, o Brasil enfrentou severos impactos socioambientais decorrentes das mudanças climáticas, como a seca histórica na Amazônia, as ondas de calor extremo e as enchentes no Sul do país, dentre outros acontecimentos (Costa, 2023; Levy, 2023). Nesse contexto, medidas de mitigação e adaptação, bem como uma justa transição energética são essenciais para frear os graves impactos ocasionados por essas mudanças.
O governo Lula ganhou forte apoio eleitoral em 2022 adotando uma postura de contraponto aos desmontes da área ambiental que marcaram o governo Bolsonaro de 2019 a 2022. A insistência do governo na exploração de combustíveis fósseis, contudo, caracteriza uma visão desenvolvimentista que, como bem apontado por L. Vieira (2023), lembra os conflitos de 2008 entre Lula e Dilma e Marina que desencadearam a ruptura da aliança na época e que precisa ser superada.
Em seu primeiro mandato, Lula nomeou Marina Silva como Ministra do Meio Ambiente, mas após diversos conflitos com outros setores do governo (envolvendo especialmente o Plano Amazônia Sustentável (PAS) e a construção de usinas hidroelétricas na região da Amazônia), Marina deixou o governo Lula em 2008. Como destaca Eliane Brum, progressivamente, os governos do PT foram se aproximando de setores do agronegócio, especialmente a partir do segundo governo Lula. Em 2006, Lula chegou a afirmar que indígenas, ambientalistas, quilombolas e o Ministério Público seriam “entraves” para o crescimento do Brasil (Brum, 2019, p. 69-70; Pichonelli, 2006). Ainda segundo a autora, “a visão da Amazônia do PT que esteve no governo mostrou-se muito semelhante à visão da Amazônia dos governos da ditadura militar” (Brum 2019). Essa concepção se evidenciou durante os primeiros governos Lula, especialmente nos embates entre Dilma, à época ministra de Minas e Energia (2003-2005) e da Casa Civil (2005-2010) com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva (2003-2008). Como ressalta Brum, a primeira gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente não é um consenso entre os ambientalistas, pois como Ministra teria autorizado duas barragens no rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), mas Marina representava um contraponto às visões desenvolvimentistas do governo Lula: “ex-seringueira do Acre, negra e indígena, era possivelmente a única ministra que conhecia a realidade amazônica e integrava os desafios da emergência climática às ações do governo” (Brum, 2019, p. 70).
Esse panorama parece permanecer nesse terceiro mandato de Lula que agora enfrenta pressões ainda maiores para aprovação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas de um legislativo extremamente conservador e que carrega como herança do governo Bolsonaro (Ávila, 2023) os ataques à pauta ambiental e climática e à sociobiodiversidade pela Frente Parlamentar Agropecuária e agora também pela Frente Parlamentar em Apoio ao Petróleo, Gás e Energia (Nova, 2023).
Observou-se que os argumentos favoráveis à exploração de petróleo na Foz do Amazonas ressaltam os benefícios econômicos e a geração de empregos que podem resultar dessa atividade para a região, impulsionando o desenvolvimento econômico regional e nacional e fortalecendo a autonomia energética do país. Argumenta-se ainda que a exploração de petróleo na região pode gerar receitas significativas para o governo que podem ser direcionados para investimentos em áreas como infraestrutura, educação, saúde e programas sociais, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país.
A Petrobras vem estabelecendo recordes de extração de petróleo no pré-sal, com cerca de 4 milhões de barris diários (Lisboa, 2023). Ainda assim, como ressalta Sidarta Ribeiro em sua “Carta aos amigos desenvolvimentistas”: “o povo brasileiro nunca chegou a usufruir dos benefícios prometidos pela exploração petrolífera do pré-sal” (Ribeiro, 2023). Como bem afirma o autor: “o tempo do petróleo já passou” (Ribeiro, 2023).
Ironicamente, a exploração de combustíveis fósseis se encontra não apenas na raiz das emissões de gases de efeito estufa (angus, 2016), mas afeta também a matriz energética limpa brasileira, pois os acontecimentos climáticos extremos, como secas severas, afetam os fluxos de água e, consequentemente, a produção de energia hidrelétrica, principal setor de energia limpa no Brasil. Esse quadro pode ser facilmente visualizado na região Amazônica que vem enfrentando severos impactos das mudanças climáticas sobre o fenômeno El Nino. A seca que atingiu a região nos últimos meses de 2023 é um evento alarmante e sem precedentes históricos que fez com que o poder público precisasse compensar o déficit energético ocasionado pela interrupção das usinas do Rio Madeira através da ativação de termelétricas, altamente poluidoras (Ruptura, 2023).
O Brasil possui uma capacidade gigantesca para produção de energia limpa e superação do modelo energético fóssil (IEA, 2020; Brasil, 2022), grande responsável pelas mudanças climáticas hoje vivenciadas (Angus, 2016). Caberá ao governo, contudo, resistir às pressões legislativas e superar o desenvolvimentismo que tem nos levado ao abismo climático e investir seriamente em uma transição energética justa que coloque o Brasil globalmente na vanguarda do enfrentamento e adaptação à emergência climática.
Referências
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