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Os impactos ao meio ambiente advindos do atropelamento de animais no Brasil

Toda evolução traz consigo uma gama de consequências, algumas positivas outras negativas e cabe a sociedade aprender a conviver com elas. Entretanto, quando se analisa friamente essa afirmação, surge uma inquietação. E como o meio ambiente e os animais são afetados por essas evoluções? Na maioria das vezes, ambos são surpreendidos por essas, que utilizam seus recursos naturais, invadem seus espaços, destroem os lares de milhares de animais, sobre o argumento que o progresso é inevitável e necessário.


As implantações de rodovias no território nacional é um exemplo perfeito de evolução necessária que entrou território adentro sem pedir licença e se tornou altamente letal para os animais selvagens, desta forma, o presente artigo visa questionar: quais os riscos associados ao aumento dos atropelamentos de animais selvagens para o direito ambiental e para o ser vitimado, em sua individualidade, enquanto ser senciente? Assim, o objetivo principal do presente ensaio é analisar o aumento dos casos de atropelamento de animais selvagens da fauna brasileira e os impactos ambientais e aos animal como ser senciente.


1. Análise dos dados coletados pelo Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas – CBEE


O Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras – MG, criou em 2014 uma plataforma tecnológica desenvolvida para coletar dados referente aos atropelamentos de animais selvagens no território brasileiro, o Sistema Urubu. O objetivo principal da pesquisa é catalogar os casos de atropelamentos de animais selvagenns no território nacional. A plataforma tem carater cidadão e conta com voluntários espalhados por todo o território nacional que coletam e identificam dados. Com a finalidade de garantir que os dados sejam confiavéis e sirvam como paramêtros de estatísticas o sistema conta com cerca de 700 especialista que identificam e padronizam as informações e só após enviam para o banco de dados. Sendo a maior rede de conservação da biodiversidade brasileira (Bagger, 2017).

A partir dos dados coletados pelo Sistema Urubu foi possível realizar estatisticas acerca dos casos de atropelamentos no Brasil. As estimativas evidência que por ano morrem cerca de 475 milhões de animais silvestres, são 17 animais mortos por segundo e 1.300.00 por dia. Para realizar essa contagem foi criado um aplicativo denominado atropelometro que mede o índice de animais mortos por categorias. De 01 de janeiro de 2023 até o dia 20 de julho de 2023, às 16h30min, foram atropelados um total de 234.0819 animais de pequeno porte, 24.275.16 animais de médio porte e 3. 467.880 animais de grande porte. (Bagger, 2023).


Imagem retirada do site Sistema Urubu


As estimativas restam comprovadas quando se acompanha por alguns minutos o "atropelômetro". Ainda, uma das ferramentas disponibilizadas pelo Sistema Urubu são os infográficos mensais, que apresentam dados referentes aos estados brasileiros com maior registro de atropelamentos, os animais mais atropelados de cada espécie, o percentual que representa e ainda os animais ameaçados de extinção atropelados. Assim por meio desses infográficos foi realizado um comparativo entre os dados coletados no primeiro trimestre de 2022 e os dados do primeiro trimestre de 2023, a fim de analisar o quanto os atropelamentos vem aumentando (Bagger, 2023). No que se refere aos estados com maiores índices de atropelamentos em janeiro de 2022, a região sul, se destaca. Santa Catarina teve 17 casos e o Rio Grande do Sul, 15 casos.


A partir dos dados extraídos dos infográficos é possível realizar um comparativo percentual referente as categorias de animais que foram vítimas de atropelamentos, conforme tabela abaixo:



Ao analisar os percentuais dos mamíferos houve uma queda considerável nos meses de janeiro e fevereiro de 2023, quando comparados ao ano anterior. Interessante pensar sobre a perspectiva da covid-19, pois em 2022 o país ainda enfrentava a pior epidemia dos últimos tempos. Em tese o tráfego de carros nas rodovias era menor, logo, os números de atropelamentos teriam que ser menores aos do presente ano (Bagger, 2023).


No que diz respeito, aos indicativos das aves vitimadas nas rodovias brasileiras o mês de fevereiro, ocorreu o aumento mais significativo, passou de 17% em 2022 para alarmantes 38% no mesmo perído em 2023. Referente aos dados dos reptéis esses sofreram pouca alteração, em termos de numerologia, alguns percentuais sofreram alterações para mais outros para menos. Entretanto, os dados são significativos, pois trata-se de vidas (Bagger, 2023). No que se refere aos anfíbios de janeiro de 2022 para o mesmo período do ano seguinte aumentou o dobro, enquanto em março de 2022 diminuiu 20% em comparação ao mesmo período do ano anterior (Bagger, 2023).


2. Os atropelamentos sobre a óptica do Direito Ambiental


Os dados coletados pela CBEE demonstram que o Brasil está longe de ser um país sustentável, pois a cada segundo mata 17 animais. Consequentemente, assim, fazendo os animais parte do meio ambiente entende- se que o direito ambiental ter por missão proteger as espécies de vida que compõem o planeta. Mas a chegada de novas tecnologias começou a afetá-los, principalmente com o chamado marco da Segunda Revolução Industrial, o automóvel.


Segundo, Chaui (2012), no século XIX, com a chegada da Revolução Industrial, a sociedade se encontrava entusiasmada no saber cientifico e tecnológico criado para controlar a natureza, entretanto, o avanço tecnológico não influenciou somente a sociedade, mas principalmente os animais, pois com a fabricação e consumo frenético, os carros não levaram muito tempo para invadir espaços que antes eram ocupados somente pelos animais.


Nesse contexto, rodovias são obras de engenharia de extrema complexibilidade e se mostram como o principal meio terrestre utilizado para o transporte de cargas e pessoas (Bandeira; Floriano, 2004). Segundo dados da Confederação Nacional de Transportes de 2018, o Brasil é ramificado por noventa e uma rodovias. Gonçalves 2018, enfatiza a problemática que a construção de rodovias sem planejamento traz a fauna silvestre, principalmente devido a mortandade de animais vítimas de atropelamentos.


Diante de estudos apresentados ao longo dos tempos é pacífiico o entendimento de que o transporte desempenha importante papel no desenvolvimento do país. Entretanto, Bagger (2017) esclarece que nos últimos anos a sociedade vem pagando um elevado custo pelo progresso. Segundo dados da BioInfra Brasil, o territorio nacional conta com uma frota de mais de 93,3 milhões de veículos, gerando um impacto ambiental inestimável.

No decorrer de sua construção, ocorre remoção da vegetação nativa e perda de habitat, causando fragmentação, além de mudanças físico- estruturais, como alterações da paisagem, compactação e remoção de solo e alterações em corpos hídricos. Com o início das atividades, o tráfego e microclima criado no local promovem uma série de outros impactos, como a degradação do habitat adjacente pela poluição química, sonora e luminosa, a mortalidade de animais via atropelamento e a facilidade de introdução de espécies exóticas (Bager, 2017, p. 6).

O problema se torna ainda maior quando as rodovias passam pelas chamadas unidades de conservação, que são áreas regulamentadas pela Lei 9.985/2000 que estabelecem regulamentos para a criação dessas (Santinelli, 2009). Nesse viés Bagger (2017), categoriza os impactos ambientais advindos da introdução de rodovias no território nacional, além dos impactos aos animais, demonstrados acima, o autor esclarece de forma em separado os impactos ambientais advindos das malhas rodoviárias.


O primeiro deles diz respeito a perda e degradação do habitat, ou seja, é a perda de habitat que ocorre onde são implantadas as rodovias. Tais perdas trazem impactos tanto para a fauna como para a flora, pois muitas vezes é necessário realizar o corte de inúmeras árvores nativas, acarretando a perda de lares de diversos animais, como aves, pequenos roedores e anfíbios. De igual modo, tem a fragmentação imposta pelas rodovias, que isola inúmeras espécies, como consequência quando essas vão tentar a travessia, acabam atropeladas de forma brutal. Nesse viés, o atropelamento é o principal impacto ambiental advindo das rodovias, causando a extinção de muitas espécies. O autor ainda estuda a poluição gasosa, líquida e solidas emitidas a partir das estruturas viarias. E por fim, têm-se a erosão e a o assoreamento, consequências das alterações da superfície do solo (Bagger, 2017).


Como é sabido, o surgimento da consciência ecológica é fator predominante para se conseguir atingir melhorias ao meio em que se está inserido. Nesse sentindo, estudos comprovam que os povos da antiguidade são os principais exemplos dessa, pois eles não agrediam a natureza indiscriminadamente, apenas buscavam a sobrevivência da espécie (Sirvinskas, 2002).


Corroborando com as exposições realizadas até o momento, oportuno trazer a lume a fala de Tybusch que afirma o que segue:

A perspectiva ecológica exige a formação de um pensamento que reflita a heterogenidade, a possibilidade da diferença, a tolerância e a solidariedade diante do outro. É preciso conceber uma sociedade na qual estejam desde sempre colocados múltiplos modos de viver e construir a realidade. Ressalta-se, porém, que isto não significa estar conformado com a desigualdade, mas o reconhecimento da sua dimensão para estabelecer um diálogo democrático na direção de um acesso comum em defesa de todas as formas de vida, o qual parte das diferenças para poder superar as iniquietudes (Tybusch, 2011 p. 315).

Trazendo a ideia do autor para o estudo em questão, a solidariedade para com o outro, retratada, precisa urgentemente ser com o animal não humano, que precisa muitas vezes realizar seu deslocamento nas estradas para buscar seu alimento ou até mesmo para promover a continuidade da espécie, pois devido a fragmentação advindas das rodovias, restou isolado.


Dessa forma, é preciso fomentar o pensamento de que ao enxergar placas que indiquem passagem de animais, ou em se tratando de regiões com reservas ecológicas é necessário reduzir a velocidade dos veículos. Presente atitude pode parecer simples, mas contribuiu demasiadamente para estabelecer o diálogo entre as espécies, referido pelo autor, pois a redução da velocidade permitirá que o animal realize sua travessia de forma segura e conclua sua ação, enquanto ser senciente que possui consciência de seus atos.


3. Os atropelamentos sobre a óptica do Direito Animal


Como observado, é nítido que o desenvolvimento está associado as rodovias e que essas são responsáveis por um número assustador de atropelamentos de animais selvagens. Se analisadas de forma geral as consequências desses atropelamentos, se chega a resultados como a extinção de algumas espécies ou a baixa densidade populacional em espaços determinados. Ocorre que para o direito animal cada ser importa em sua individualidade, por se tratar de seres sencientes que estão sendo mortos de forma brutal, por vezes agonizando por horas e horas até falecer de vez. Assim sendo, a preocupação deve ir além da possível extinção de uma espécie ou outra, é necessário analisar a individualidade do animal.


Urge salientar que diante da interrupção precoce da vida do animal, a sequência lógica de nascer, crescer, se reproduzir e morrer de forma natural é alterada. Para o meio ambiente a mortificação precoce é considerada como dano ambiental, entretanto, para o direito animal os atropelamentos não causam apenas danos ao ambiente porque a espécie foi atingida, mas sim a vida de um ser senciente em sua individualidade que teve a vida ceifada enquanto se deslocava de seu habitat (Titan, 2021).


Dessa forma, rodovias de grande circulação extinguem diversas vidas. Na ótica antropocêntrica essa é uma evolução natural, sendo esse o preço necessário a ser pago para alcançar o progresso. Mas onde está a justiça disso tudo? Embora o conceito de justiça seja subjetivo, ignorar em pleno século XXI a morte de um animal se mostra fora dos padrões de justiça.


Corroborando com o exposto acima, Sirvinskas (2002), afirma que é necessário afastar a individualização das espécies, distanciar o pensamento antropocêntrico e aceitar que os animais estão inseridos de igual modo no meio ambiente e que esses possuem direitos iguais aos humanos no que tange a sua proteção. Ainda, segundo o referido autor, o fator predominante para efetivar essa concepção é o surgimento da consciência ecológica.


Desta forma, fez-se necessário surgir uma nova noção de ética, não apenas no que é moral, mas sim, a partir do conceito de vida e dignidade. Com essa nova percepção, a ética deixa de lado a proteção ambiental apenas em razão da sociedade humana, mas baseando-se fundamentalmente no conjunto em que os animais estão inseridos. (Regina; Souza, 2019).


Édis Miralé (2001), assevera que os seres humanos são sujeitos de direitos, mas também de deveres, devendo assim, encontrar meios de potencializar o direito ambiental, a fim de atingir os interesses de todos os seres que fazem parte da natureza. Dessa forma, compreende-se, o direito ambiental, como uma subdivisão do direito geral que possui prestígios, mas que só ganhará força se o ser humano, considerado em suas próprias afirmações, o único ser que possui reflexão, tomar posse deste mecanismo em prol não apenas de seus interesses, mas também do interesse dos animais. Deixando de uma vez por todas a concepção de que é a única razão pela qual se visa proteger o meio ambiente (Miralé, 2001).


A defesa aos animais se propaga de forma morosa ao longo dos anos. No século XX conceitos de direito ambiental e direito animal eram deduzidos como sinônimos (Mól; Venancio, 2014). Tal situação exigiu que adeptos da causa brindassem os animais com conceitos mais objetivos. A partir da década de setenta o panorama dos animais enquanto sujeitos de direitos mudou essencialmente. Ativistas do tema introduziram argumentos de que apenas a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oferta de condições de vida sem dor ou ainda moralmente corretas no olhar da sociedade, não garantiriam a proteção aos interesses dos animais. (Ferreira, 2014). O principal ativista da aludida década foi Peter Singer, o qual buscou formular o princípio da igual consideração de interesses de semelhantes.


Visando tornar a igual consideração de interesses um instrumento que deveria ser usado pelo direito como forma de acompanhar as transformações sociais, Singer clamou por mudanças e adequações com a finalidade de adequar aos novos padrões (Duarte; Gomes, 2016). O principal interesse moral do referido princípio era evitar a dor e o sofrimento. Por essa razão o nome auferido ao princípio, igualdade de consideração, pois se ao homem é errado causar dor e sofrimento, porque ao animal não é (Ferreira, 2014). À luz do exposto, Peter Singer, afirma que:

Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para a recusa de tomar esse sofrimento em consideração. Independentemente da natureza do ser, o princípio da igualdade exige que o sofrimento seja levado em linha de conta em termos igualitários relativamente a um sofrimento semelhante de qualquer outro ser, tanto quanto é possível fazer comparações próximas (Singer, 1994, p. 138).

Para o referido filósofo, a discriminação entre espécies, conceituada por ele mesmo como especismo, deve ser deixada de lado, lançando, portanto, um novo modo de conceber a relação para com os animais não humanos. Peter buscou em sua teoria defender o tratamento ético para com os animais, assim como para os humanos. Dessa forma, tal premissa é caracterizada como o pilar moral básico de igualdade (Ferreira, 2014). Nesse seguimento, pode-se verificar o que Peter discursa:

O que precisamos fazer é trazer os animais para dentro da esfera das nossas preocupações morais e cessar de tratar suas vidas como descartáveis, utilizando-as para qualquer propósito trivial. Concluo, então que a rejeição do especismo não implica que todas as vidas tenham igual valor. Embora a autoconsciência, a capacidade de estabelecer relações significativas com os outros, e assim por diante, não sejam relevantes para a questão de infligir dor – uma vez que dor é dor, sejam quais forem as demais capacidades que o ser possa ter, além daquela de sentir dor – essas capacidades são relevantes para a questão de tirar a vida (Singer, 1994, p. 12-14).

Baseado no princípio introduzido por Singer, Augusto (2018) afirma que o direito tutelado aos animais, não visa comparações hierárquicas, apenas a igualdade de interesses. Logo, permitir que os animais sejam vitimados da forma que estão sendo e o direito animal, enquanto ramo autonomo do direito não efetivar políticas públicas capazes de mudar essa realidade é um descaso. Dessa feita, é necessário que os olhares dos governantes, tanto em nível municipal, estadual e federal se voltem para a temática a fim de minimizar os atropelamentos contra os animais no território brasileiro.


Referências


AUGUSTO, Sérgio. A declaração Universal dos Direitos dos Animais na


BAGGER, Alex. Atropelamentos de fauna selvagem no Brasil, mitos, verdades e ações. CBEEE. MG, 2017.


BANDEIRA, Clarice; FLORIANO, Eduardo Pagel. Avaliação de impacto ambiental de rodovias. Caderno Didático no 8, 1a ed, Santa Rosa, 2004.


CENTRO BRASILEIRO DE ECOLOGIA DE ESTRADAS (CBEE). Sistema Urubu. Dados. 2023. Disponível em: https://sistemaurubu.com.br/dados/. Acesso em 20 out. 2023.


CHAUI, Marilena Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


DUARTE, Maria Luisa; GOMES, Carla Amado. Direito (do) animal. Rio de Janeiro. Grupo Almedina, 2016.


FERREIRA, Ana Conceição Barbuda Guimaraes. A proteção aos animais e o direito: o status jurídico dos animais como sujeitos de direito. Curitiba: Juruá, 2014.


MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2000.

perspectiva abolicionista de Peter Singer. Brasília. Clube dos Autores, 2018.


REGINA, Célia; DE SOUZA, Nilander. O crime de crueldade contra animais não humanos à luz do bem jurídico penal. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2019.


SANTILLI, Juliana. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. Belo Horizonte, 2004.


SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo: WMF, 2013.


SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002.


TITAN, Rafael Fernandes. Direito Animal: o direito do animal não humano no cenário processual penal ambiental. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2021.


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