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Programa Mover: andando em direção à descarbonização ou dando ré na transição energética?

Atualizado: 20 de fev.

José Vítor Ardinghi Brollo


A Medida provisória (MP) de n° 1.205/2023, publicada no penúltimo dia de 2023 no Diário Oficial da União (DOU) instituiu o Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), e, supostamente busca “apoiar uma economia de baixo carbono no ecossistema produtivo e inovativo de automóveis, de caminhões e seus implementos rodoviários, de ônibus, de chassis com motor, de máquinas autopropulsadas, e de autopeças” (Brasil, 2023).


Segundo o divulgado pela própria página institucional do Senado Federal (Agência do Senado), a partir de fevereiro de 2024, empresas do ramo automotivo cuja produção ocorra no Brasil poderão obter abatimento de tributos federais, ou até mesmo, serem ressarcidas em dinheiro. A condicionante desses possíveis benefícios é haver gastos em pesquisa e desenvolvimento ou produção tecnológica (“incentivo a neoindustrialização”), e, claro que haja investimento em sustentabilidade e respeito às novas obrigações previstas para diminuição do impacto ambiental da indústria.


Ainda esse ano, a definição das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com base em atributos dos veículos, visando aumentar a sustentabilidade da mobilidade e logística no país, deve ocorrer.


O Programa Mover, no entanto, não é a primeira política governamental de incentivo à indústria automobilística, mas se apresenta, em primeiro momento, como a versão mais “verde” dessas políticas de industrialização e comércio.


A promoção de uma economia de baixo carbono atua na esteira dos compromissos de cooperação internacional assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e reproduzidos nos objetivos de Desenvolvimento Sustentável nº 7 (energia limpa e acessível) e nº 13 (ação contra a mudança global do clima) da Agenda 2030.


O programa Mover e sua busca pela apelidada “neoindustrialização” também se aproximam do propalado pela meta 9.4 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 9 (Indústria, inovação e infraestrutura) da Agenda 2030: “Até 2030, modernizar a infraestrutura e reabilitar as indústrias para torná-las sustentáveis, com eficiência aumentada no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente corretos; com todos os países atuando de acordo com suas respectivas capacidades” (ONU, 2015).


Apesar dessas pretensas aproximações de objetivos, o Programa Mover é um excelente exemplo da contradição dos projetos de redução de carbono: na mesma medida que corporifica muito do proposto em termos de aceleração de descarbonização, reforça indústrias e comércios que se estruturaram e cresceram na economia do carbono.


Além disso, há uma reprodução quase instantânea de um modelo europeu de descarbonização, nesse sentido é necessário relembrar que a expressiva maioria das toneladas de carbono emitidos no Brasil originam-se na indústria agropecuária e na mudança do uso da terra e floresta (representadas em amarelo e verde na tabela elaborada pela plataforma SEEG), e não no setor de processos industriais e de energia.




Isso não significa dizer que um programa voltado aos processos industriais e ao setor energético não deva acontecer. Porém, aponta que apenas um programa de incentivo a produção mais sustentável na indústria não possui o condão de solucionar ou mesmo enfrentar o processo de descarbonização a ser vivido pelo Brasil.


            Esse fator se agrava se colocarmos na balança esse baixo potencial de alteração no cenário da economia de baixo carbono brasileira e o alto potencial de reforço da indústria automobilística, símbolo do modelo capitalista norte-americano de produção e modo de viver – nascido em meados dos anos 50, com o chamado “american way of life” e com o processo de suburbanização de bairros nas cidades- e que, em última instância, propala valores de consumo distantes do pregado como “consumo sustentável” na própria Agenda 2030 (ODS 12 – consumo e produção responsáveis).


            A contradição inerente a políticas redutoras de carbono que também incentivam indústrias símbolo do alto carbono não retira, no entanto, o potencial modificador de incentivos fiscais verdes, como é o caso do Programa Mover. Apenas apontam que para concretização dos objetivos de descarbonização, políticas públicas de transição e eficiência energética devem se concentrar na diversificação de seus objetos e na concomitância de suas atuações.


            Isso significa que sozinho, um programa como o Mover corre o risco de perder seu potencial objetivo e atuar como uma cortina de fumaça da raiz do problema, o que apenas o perpetua. E, quando tratamos de carbono e mudanças climáticas, simplesmente não há mais tempo para esse tipo de perpetuação.


É necessário relembrar, ainda, que o programa se estruturou como uma Medida Provisória, publicado em um momento de “apagar das luzes” do ano político de 2023. Isso aponta para uma tendência de insegurança do Executivo na conversão desta medida em Lei pelo Congresso Nacional. A MP 1.205/2023 trata, ainda, de uma série de outros tópicos tributários que, da forma que foram apresentados, dificultam ainda mais a conversão da Medida em Lei. Esse ponto específico, no entanto, também demonstra uma tendência de aumento da pauta “verde” no âmbito tributário nas rebarbas da reforma tributária.


            Diante de tudo isso, apenas nos resta o questionamento: estamos andando em direção à descarbonização, ou dando ré na transição energética?


            No caso específico do Programa Mover e diante do cenário de emissão de carbono apresentado pelo país podemos dizer que talvez estejamos na marcha neutra, incapazes de lidar com a complexidade que políticas de transição e eficiência energética, sobretudo no aspecto da descarbonização, possuem em países como o Brasil, que não se estruturou histórica e economicamente no modelo europeu e norte-americano, mas parece quere reproduzir o modo que esse Norte Global enfrenta a descarbonização.

 

Referências

 

Emissions Map | SEEG - System Gas Emissions Estimation. Disponível em: https://plataforma.seeg.eco.br/. Acesso em; 1 fev. 2024


Medida Provisória cria o Programa Mover para descarbonizar veículos brasileiros. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/01/02/medida-provisoria-cria-o-programa-mover-para-descarbonizar-veiculos-brasileiros>. Acesso em: 1 fev. 2024


CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA (UNFCCC). Acordo de Paris. [S. l.]: MCTIC, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e-ndc/arquivos/pdf/acordo_paris.pdf. Acesso em: 1 de fev. de 2024.


FRANZOLIN, Cláudio José; MASTRODI, Josué. Direito ao meio ambiente: sobre as propostas de políticas ambientais de curto prazo para mitigação das mudanças climáticas. In: CALGARO, Cleide (org.). Constitucionalismo e meio ambiente: os desafios contemporâneos. Caxias do Sul: Educs, 2021. p. 289-305.


GUERRERO, Ana Lía. Geopolitics of Global Energy Transformation and Territorial Dynamics of Energy Transition in South America. Ambiente & Sociedade, v. 24, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc20200026r3vu2021L4DE. Acesso em: 1 de fev. 2024.

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